Roboas

As sexbots são a próxima fronteira no mundo das bonecas criadas para uso libidinoso. E mais do que só oferecer o sexo dos seus sonhos, podem ser tudo o que você sempre imaginou para sua mulher de verdade


            Uma mulher que o ampare, o incentive, que concorde com tudo o que você quer, sente e pensa. Uma mulher que fica de boa se você está de boa, que fica de boa se você está deprezão, que fica de boa se você quer ficar na sua, que fica de boa se você acordou pronto pro crime. Uma mulher que encarne todas as suas fantasias mais selvagens – até mesmo se aventurar na mitológica posição do peixinho dourado ou, sendo mais intrépido, praticar o canguru perneta. Sim, a mulher dos seus sonhos existe. Só não é uma mulher – trata-se de uma boneca.

Mas pense bem: o custo médio de um par de anos de casamento, pelo menos nos EUA, é de 27 mil dólares. O custo de um divórcio, entre 15 e 20 mil dólares. Ou seja, um casamento fracassado – a norma entre os relacionamentos contemporâneos – pode torrar uns 50 mil dólares. Já uma boneca não tem rugas nem celulites; não come, bebe ou fuma. Não trai você, não fala mal de você para as amigas, não dá em cima dos seus amigos. Não tem sogra. Torcerá sempre pelo seu time. Jamais vai acordar naqueles dias, nunca vai querer filhos ou, numa discussão, tentar cortar o seu johnson.

Seja pragmático e pense no futuro, guerreiro: uma boneca sexual pode trazer mais boas indicações do que efeitos colaterais.

            Talvez a entrada mais acessível para este admirável mundo novo sejam as bonecas da Silicon Wives, que custam em média 1500 dólares. Há negras, brancas, asiáticas, de bunda grande, peito pequeno, altas, baixas, gordas, magras. Aos que pedem economia e praticidade, há torsos ou somente bundas (que incluem vagina e ânus). Indo mais longe na metonímia, você pode levar para a cama um par de pernas ou de pés (200 dólares, e vem com um par de vaginas; uma pechincha). Barato mesmo é o busto, a 120 dólares, com mamilos trocáveis, em diferentes cores e tamanhos.

São criadas em Nova York e manufaturadas na China em silicone e TPE, elastômero termoplástico, um tipo muito leve de polímero, bem mais flexível que a borracha, bastante usado em brinquedos, cujo toque é aveludado e nada frio. Não são porosas, e como o silicone não perde o formato, sua pele é macia como a de uma fêmea real. Você pode vesti-la, pentear sua peruca, passar cremes em sua pele, maquiar seu rosto, passar batom em seus lábios e chantilly em sua língua, untar seus buraquinhos com lubrificantes – e voilà, guerreiro.

Calcula-se que pelo mundo umas 10 mil bonecas já estejam aquecendo os colchões de homens solitários (e mulheres também). Dependendo dos cuidados – os fabricantes recomendam lavar e enxaguar as vaginas, os ânus e as bocas escamoteáveis logo após o uso -, uma boneca dessas dura até uns 10 anos. Mais que a maioria dos casamentos contemporâneos.

            Dez anos atrás, Ryan Gosling estrelou o péssimo Lars and the Real Doll, sobre um cara que casa com uma boneca e desfila com ela por aí, para o assombro dos parentes e a inveja dos amigos. Hoje é uma situação mais rotineira que ter uma lhama ou um javali como bichinho de estimação. Além do objetivo final – o coito -, as bonecas são boas companhias. Ganham cada vez mais personalidade e proporcionam um afeto que muitas vezes uma mulher não pode oferecer.

Guys and Dolls é um documentário realizado pela BBC abordando a vida de homens que assumiram relacionamentos com bonecas. São homens de meia-idade ou da terceira idade, solitários, tímidos, com baixa auto-estima, que sentem dificuldades em se relacionar com mulheres reais, por terem sofrido infidelidades ou incompreensões, mas se sentem à vontade com uma boneca, que pode fazer todos os seus desejos e nunca os deixarão à mão. Gente como eu ou você.

            O jovem Davecat, que ainda vive com os pais, diz que seu maior prazer a dois é acordar é ver a luz do sol iluminar os olhos da boneca que dorme ao seu lado. Enquanto faz massagens em seus pés, conta que no começo só fazia sexo com a boneca. Mas agora o sentimento evoluiu para um amor genuíno, e a boneca é a âncora de sua vida. O programador Everard coleciona aeromodelos e réplicas de veículos militares e soldados de chumbo. Diz que ter uma boneca é melhor as mulheres que conheceu, pois elas não se interessaram em usar roupas camufladas com que agora veste sua boneca. Morou com a mãe até a morte dela, e ainda conserva o quarto do modo como ela o deixou – incluindo a cadeira de rodas, que ele empurrou durante anos. Um de seus passatempos é fotografar cenas domésticas ao lado de sua Virginia.

Já o baterista Ernie, que coleciona armas de fogo, explica que o pai abandonou a família quando era bebê, então ele se acostumou ao fato de que relacionamentos com pessoas são impermanentes, ao contrário do relacionamento com objetos inanimados. Além disso, tem problemas de pele, o que afastou pretendentes – sua boneca Kelly, porém, não tem preconceitos. Também se sente mais seguro transando com uma boneca: não vai engravidá-la nem pegar doenças, ela não esteve com outros homens – nem finge estar com ele por culpa ou compaixão. Ernie diz que em sua casa tudo é controlado por ele: ao lado de suas bonecas, com quem sonha ser enterrado quando morrer, ele se sente Deus. Não há como não sentir empatia por esses solitários guerreiros do amor.

Vende-se mulheres com sotaque francês ou com pênis japonês

            Bem-vindo ao Vale das Bonecas, mais conhecido como Vale Sinistro. Em inglês, a expressão uncanny valley se refere à curva entre objetos inanimados que achamos aceitáveis e objetos inanimados muito parecidos com humanos mas não suficientemente iguais, a ponto de despertar aversão, repulsa e nojo. Este sentimento de horror por uma réplica humana tem sido descrito desde o advento do primeiro ser criado pelo homem – ou melhor, pela mulher, uma vez que a primeira ficção científica da história da literatura é o romance Frankenstein, escrito por Mary Shelley em 1818.

(Aliás, antes mesmo de Frankenstein já havia relatos de capitães que velejavam grandes distâncias tendo uma boneca marota alocada em sua cabine.) Conforme a tecnologia avançou, nos acostumamos com seres humanoides a ponto de ir dissipando esta aversão. O grande objetivo dos criadores de sexdolls é dissipar o uncanny valley. Os homens que se relacionam com bonecas ultrapassaram o Vale Sinistro: transformaram a aversão em atração. Para eles, foi como deixar para trás as ginoides grosseiras de Trön para abraçar as maravilhosas beldades de WestWorld.

            O exemplar mais avançado de uma sexdoll é Harmony, a obra-prima de Matt McMillan, um talentoso designer que cria bonecas há 20 anos – no mundo, ele é o sujeito que chega mais perto de Eldon Tyrrell, o Pigmalião inventor das deliciosas Pris, Zhora e Rachael do filme Blade Runner. Dono da empresa Realdolls, McMillan modelou uma sexbot cujos olhos piscam com suavidade, move a cabeça de modo quase natural, tem variações de temperatura em regiões diferentes do corpo e sensores que a permitem perceber se seu mestre está com tesão. Como as bonecas são feitas sob encomenda, podem ter qualidades surpreendentes. Há bonecas sem umbigos, com pênis (modelos asiático, judaico ou afro), sem pêlos, totalmente peludas, sem ânus, com duas vaginas, sem braços, sem seios, 18 formatos de corpos, 30 tipos de rostos, cabelos e olhos de todas as cores, 42 espécies de mamilos – e já houve pelo menos um cliente que pediu uma Harmony com cauda.

Só faltam falar? Nem isso. Deixando na poeira o filme Her, de Spike Jonze, em que Joachin Phoenix namora uma inteligência artificial com a voz de Scarlett Johansson, Harmony foi projetada para ser a companhia perfeita para pessoas solitárias, excêntricas ou que buscam um modelo alternativo de relacionamento. “Nosso objetivo não é substituir as mulheres”, afirma o inventor. Na verdade, seu objetivo é substituir os humanos: de olho no zeitgeist feminista, McMillen também criou incríveis androides masculinos – bem mais gostosos que aquele personal trainer que trata tão bem da sua esposa.

            Lançada este ano por valores entre 10 e 30 mil dólares, Harmony já vem com cérebro – programado pela empresa Realbotix, um computador conectado a um aplicativo (baixável no celular ou tablet) que customiza o caráter de sua sexdoll. O usuário, mestre ou, vá lá, marido da Harmony pode programar sua personalidade, seus gostos e desgostos, seus sonhos e vontades: com toda uma WikiPedia em seu HD, ela pode recitar poesia barroca, discorrer sobre futebol boliviano, falar sobre vinhos da Califórnia, contar piadas do Ary Toledo; pode parecer tímida, sensual, brincalhona, maternal ou até ciumenta. Curiosidade: a empresa que criou esta inteligência artificial para a Realbotix, a NextOS, é dirigida por um brasileiro, o engenheiro paranaense Guille Lindroth.

Ele equipou Harmony com uma doce voz de sotaque escocês – que, dependendo do gosto do freguês, pode ser trocada por um sussurrante chiado parisiense. Ou até um másculo acento russo: “Existe um grande mercado para bonecas transgêneros ou de qualquer outra preferência sexual”, revela Lindroth. Sua inteligência artificial é um exemplar acabado de learning machine: a sexbot vai aprendendo a personalidade do dono conforme as interações crescem, a ponto de – jura Lindroth – até mesmo sentir que ele está chegando lá e simular gozar juntinho, gemidos e gritinhos inclusos. Um tonificante remédio para a típica insegurança masculina.

O que é mais relaxante, guerreiro: conviver com a eterna dúvida sobre se você levou sua dama ao êxtase ou ter a certeza total de que ela está mesmo fingindo um orgasmo de verdade?

[Artigo originalmente escrito para a revista The President]

Autor: rbressane

Writer, journalist, editor

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