Livros

escalpo_ronaldo bressane.png Escalpo
Editora Reformatório, 2017 (romance). Para ter o seu, clique aqui

 

Como bem disse o escritor britânico Chesterton, “há na natureza humana incon­sistências de ordem muito superior e muito mais misteriosa, e não há razão nenhuma para não serem apresentadas da forma chocante típica do ro­mance policial”. Mas isso foi há coisa de um sécu­lo, e a respeito de literaturas produzidas em outras plagas que não a nossa desse início de século XXI. Para narrar o emaranhado de situações para­doxais e convulsionadas sequências de fatos acu­mulados dos nossos tempos, Ronaldo Bressane constrói Escalpo com grande fôlego. E nesse tipo de apneia da escrita, prende a respiração e mergu­ lha, nadando por baixo dos maneirismos de meta­ linguagem de superfície da literatura contemporânea, num universo que mescla o marginal e o pop numa prosa cheia de vigor. Ian Negramonte é um quadrinista gaúcho de­ cadente, ainda que jovem, na esteira de uma crise pós­separação, passando por dificuldades financei­ras e em meio às manifestações políticas de 2015, nosso herói vê sua história se cruzar com a de Mi­guel Ángel Flores, escritor chileno que chegou ao Brasil como um jovem fugitivo da ditadura de Pinochet. O velho, que precisa acertar contas com o passado, instiga Ian a encarar uma longa e inusitada jornada, que o leva – e nos leva junto – a diversos países da América do Sul, incluindo a nossa Paraty. Mesmo nesse lugar aparentemente paradisíaco, Ian investiga o que está por trás dos clichês cotidianos e dos sorrisos de turistas. Os buracos são muito mais embaixo, camaradas. Ronaldo Bressane conhece todas as armadilhas da escrita, seja para evitá-­las, seja para lançar pistas ao leitor nas horas certas ao longo do romance. Por isso é que Escalpo, com suas cenas permeadas de crueldade e repleto de peripécias, é um thriller de ação irresistível. (Henrique Rodrigues)

Metafisicapratica Metafísica prática
Oito e meio, 2016 (poesia)

O título já entrega — numa bandeja reluzente, mas também com umas ferrugens aqui e ali, umas oxidações sentimentais, uns arranhões metafísicos — o espírito desse livro de Ronaldo Bressane. É um livro dolorido, é um breviário do desabamento, são as pontas dos pés roçando a beirada do abismo. Mas a dor, aqui, não necrosa a literatura, caso contrário teríamos outra coisa: blog, diário de mocinha, bilhete de suicida. O que podemos ler aqui são poemas que adensam com enorme vitalidade a experiência de um eu lírico às voltas com desenganos, meditações post coitum, a consciência de que tudo, mas tudo mesmo, chega a um fim. E é graças à palavra que parece ser possível reorganizar a zona “aqui no pós-amor” (expressão mais do que feliz que arrebenta em um dos mais primorosos poemas deste livro). (Leandro Sarmatz)

livros_futuroechapaquente Futuro é chapa quente
Formas Breves, 2014 (novela)

“Bora então?, prontificou-se Laura naquele ar de professora de arte do ensino fundamental que era um fetiche para Tiago. O repórter olhou para seus ombros carnudos e saboneteiras salientes com tristeza: ia trocá-los por um papo chato com um bandido, conversa ao final da qual, provavelmente, morreria queimado em uma pilha de pneus feito Tim Lopes. O Rio de Janeiro é mesmo uma cidade muito perigosa: ou você se apaixona ou você morre, não há terceira opção.” Um repórter paulistano que sobe um morro carioca para perguntar a um líder do tráfico sua opinião sobre a legalização das drogas. Esta é a premissa do conto, que tangencia o jornalismo e a ficção, a crônica social e a história de amor. Foi publicado no selo Formas Breves, da editora E-Galáxia, que toda semana lança ao ciberespaço uma narrativa curta por módicos R$ 1,99.

livros_sandiliche Sandiliche
Cosac Naify, 2014 (infanto-juvenil)

Um sujeito já velho se pergunta onde andaria seu amigo imaginário, um tal Sandiliche. Enfatizando a ideia de invisibilidade, o narrador se dirige a um interlocutor invisível — está bem distante daquele menino de cinco ou sete anos amigo do Sandiliche. A linguagem caminha pelas teias de aranha na memória de um velho até o tatibitate do menino. Uma história sobre como a amizade, ou a busca pela amizade, pode espantar ou acentuar a solidão — sublimá-la e sublinhá-la. O livro é ilustrado por Powerpaola, quadrinista equatoriana de traço punk e intimista, que agrega uma visualidade latino-americana à narrativa, jogando com amplas áreas vazias e outras minuciosamente descritas (metáfora para a memória da infância?). Um conto infanto-senil: une as duas pontas da vida, podendo ser lido por crianças de qualquer idade.

livros_mnemomaquina Mnemomáquina
Demônio Negro, 2014 (romance)

Fabrizio Fabrizzianni, homem solitário que mora no edifício Copan com um tubarão, Hannah, lê, nas manchas do peixe, o futuro. E o futuro é só uma lembrança coletada pelo tubarão nas águas do aquário, conectadas às águas que inundam a São Paulo do futuro — quando o mar subiu a tal ponto que se ligou ao Tietê. A Mnemomáquina prevê o futuro através de lembranças, usado pela seita anarcoterrorista Divisão dos Não-Lineares. Um dos agentes da seita é Zed Stein, homem desmemoriado que surgiu do nada em São Paulo mas achou Baby Gasoline — uma garota com lembranças demais. Do cruzamento entre essas duas histórias nasce a trama, que cruza outras narrativas. Como a de dois irmãos que viajam pelo Brasil em busca de um amigo imaginário perdido. De um gorila mutante que lidera uma insurreição de párias. De um escritor morto de modo misterioso e de outros escritores que se tornaram imortais. Em 47 capítulos, o romance é contado por 15 narradores em múltiplos pontos de vista, e pode ser lido em qualquer direção. Esta ficção-científica encontrou na editora Demônio Negro o veículo para se tornar um livro-objeto: capa em tecido escarlate, impressão em clichês tipográficos, mancha gráfica em proporção áurea, vinhetas desenhadas por Eva Uviedo, acabamento à mão. Ok, o miolo é impresso em gráfica digital, nem tudo é perfeito… A tiragem, única e numerada, restringe-se a 150 exemplares. Pedidos podem ser feitos diretamente ao editor, Vanderley Mendonça, em hussardos@gmail.com.

V.I.S.H.N.U V.I.S.H.N.U.
Companhia das Letras, 2012 (HQ)

O livrão, que pesa um quilo e meio, levou cinco anos para ser concluído – foram nada menos que 10 tratamentos de roteiro. Com argumento original de Eric Acher, consultor de empresas de tecnologia, e belos quadrinhos em PB do artista e ilustrador Fabio CobiacoV.I.S.H.N.U., situada em um futuro próximo, é a história de uma inteligência artificial que enlouquece; cientistas, políticos, jornalistas e ativistas anti-tecnologia buscam seu controle — mas talvez não consigam. Pioneira, trata-se da primeira graphic novel de ficção científica publicada no Brasil, o primeiro livro de FC nacional publicado pela Companhia das Letras, a primeira parceria “a três” do cartum brasileiro e o primeiro livro de HQ no formato 29 x 29 cm. Foi indicado a três prêmios HQMix em 2013.

Essa-História-Está-Diferent_300 Essa história está diferente
Companhia das Letras, 2010 (org.)

Nesta antologia, dez autores de estilos bem diversos — do erótico ao errático, do humorístico ao realista fantástico, do intimista ao histriônico, do político ao lírico — recriam em ficção o cancioneiro do compositor carioca Chico Buarque. Ou seja: um caleidoscópio de vozes que emulam a própria diversidade do músico, escritor, dramaturgo. Na composição do time de autores, a ideia foi universalizar o imaginário do autor de Leite derramado: para tanto, foram chamados, entre outros, a chilena Carola Saavedra, os argentinos Alan Pauls e Rodrigo Fresán, o moçambicano Mia Couto, o cearense Xico Sá, o mexicano Mario Bellatin, os gaúchos João Gilberto Noll e Luis Fernando Verissimo, o mineiro André Sant’Anna e o paulista Cadão Volpato.

Cada-vez-que-ella-disse-X_3 Cada vez que ella dice X
Yiyi Jambo, 2007 (poesia)

Editado em Asunción durante o Primeiro Encuentro Mundial del Portunhol Selbaje, traz poemas líricos e sacanas como “Shhh”, “Estratégia de branding” e “Luna ondula sus mareas” embalados em uma capa de papelão desenhada pelo mítico El Domador de Yakarés. “Uma celebracione selbajen de las yiyis, las mininas, las tatúbellitas, las tigresitas del Ypakaraí que rompem nostros korazonzitos em mil pedazos, nos cagan en la leche, nos matam de bessitos kunu’ú, nos odiam com amor, pero jamais olvidam, jamais esquecem las cosas que solamente los astronautas caubóis de los Chacos del post-esperanto del futuro agora les podemos dizer en uma língua inventada al toke com leche, yes, miau, hasta siempre, leche kalientita del korazón.” (Douglas Diegues)

Céu-de-Lúcifer_300 Céu de Lúcifer
Azougue, 2003 (contos)

Reúne dezenove contos, com destaque para “Jornal do caos”, que narra uma semana na vida de um jornalista viciado em informação, e “Assassinato em Matutu”, focando a odisseia de um publicitário em busca de transcendência através da ayahuasca, “WTC/NY”, sobre um caso entre um poeta terrorista e uma taxista brasileira em Manhattan, “Psicotrópico”, reportagem gonzo sobre uma rave na Amazônia — além da saga psicótica vivida pelo símio mutante albino Butthole Kongo. “Céu de Lúcifer é o último produto de uma trilogia batizada pelo autor de Outra Comédia, numa referência nada grave à Divina Comédia, de Dante Alighieri. E ao cruzar os portais deste inferno paradisíaco, o leitor acomodado deve abandonar toda a esperança de ler um livro convencional de histórias.” (Sérgio Sant’Anna)

impostor_300 O Impostor
Ciência do Acidente, 2002 (poesia)

Em 49 poemas, tropeços no absurdo do cotidiano, nos amores expressos, na metafísica prática, nas obsessões pessoais e na lírica torta de versos de pés quebrados como os do “Poema sutil pra caralho”: “Dizem que eu falo demais/ Acho que eu já era assim a hora que eu vim/ Hoje a luz do sol flutua em teias de aranha/ Crianças pairando entre chupeta e fellatio/ Mas meu cabelo tá ralo e eu penso cada vez mais raso/ Devo tirar às coisas seus nomes para arrancar os nomes das coisas/ Estou de saco cheio dessa prosa prozac/ Ontem meias verdes longas surpresas sob vestidos pretos/ Bianca sapateia no meu quarto ao som de Billie Holiday/ O que eu queria é o que o mar pegasse fogo pra eu poder comer peixe frito.”

10-Presídios-de-Bolso_300 10 presídios de bolso
Altana, 2001 (contos)

Segundo livro de narrativas curtas da trilogia Outra Comédia, é dividido em duas partes. Na primeira, histórias sombrias, como a narração do juízo final em “O fim do mundo do fim”, o diário de um detento em uma futurista prisão de segurança máxima em “Do Panóptico” ou a odisséia de um lixeiro obcecado por colecionar absorventes femininos em “Sangue do meu sangue”. Na segunda parte, as narrativas focam o erotismo e a psicodelia, contados com humor nonsense, como na comédia de erros social-pornô “O país dos sonhos” ou o conto criminal lisérgico “Road movie noir”, que apresenta pela primeira vez o personagem Zed Stein – um detetive chapado e desmemoriado, ex-jornalista, que é protagonista do conto “Jornal do Caos”, de Céu de Lúcifer, e do romance inédito Mnemomáquina.

Os-Infernos-Possíveis_300 Os infernos possíveis
Com-Arte/USP, 1999 (contos)

Em meio às bizarras, mas não inverossímeis, situações e personagens desta coletânea, que reúne vinte histórias curtas, o leitor decerto não encontrará, em meio ao novelo verbal engendrado pelo autor, nenhum facilidade. Mas a sedução infernal (e disso devíamos saber com muita antecedência…) está justamente naquilo que se apresenta impossível. Em seu livro de estreia, RB fala de violência em diversos níveis: social, psicológico, existencial. Sua escrita transita entre o registro hiper-realista, como em “Aos meus olhos de cão”, “Sujeitinha!” e “Evangelho segundo Zé Maria”, o doc-reality de “Documentário” e “Labirintos”, o autobiográfico em “História em cicatrizes” e “Relato entre Machado e faca” até o realismo fantástico de “Fuga”, “Invisível”, “Weboi” e “Zero”.

Antologias

  • Geração 90: Os transgressores (Boitempo, 2004)
  • Paixão por São Paulo (Terceiro Nome, 2005)
  • Fábulas da Mercearia – Uma antologia bêbada (Ciência do Acidente, 2006)
  • Sex’n’Bossa (Mondadori, Itália, 2007)
  • Lusofonia (Nuova Frontiera, Itália, 2008)
  • Il Brasile per le strade (Azimut, Itália, 2009)
  • 90-00: Cuentos brasileños contemporáneos (Ediciones Copé/Petroperu, Peru, 2009)
  • Faces of violence – a Critical anthology of contemporary Brazilian fiction (Metamorphoses, EUA, 2017)

Nenhum pensamento

Deixe um comentário