I love peitinhos
Paz e amor na terra às mulheres de todos os tamanhos de seios e todos os tipos de boas vontades. Mas as donas de seios pequenos, ah… essas merecem atenções delicadas
ilustração Zé Otávio
Minha madeleine das divinas tetas estampa a capa de um disco de música pop italiana dos anos 70. Tive de remover camadas e mais camadas de teias de aranha encalacradas na caixa craniana até pescar a primeira imagem peitoral feminil que me lembro — fora o busto materno, é claro. Gli Anni Moderni, volumes I e II, faziam parte da trilha sonora domingueira do meu pai, que tinha enfiado ambos os vinis dentro da capa do volume II. Deve ser por isso que quando vejo um par de seios particularmente apetitosos penso no Sergio Endrigo.
É que o volume I abria com a clássica “Io che amo solo te”, desesperada canção em que o crooner jurava: “Tem gente que ama mil coisas e se perde nas estradas do mundo/ já eu vou parar/ e te presentear/ o que resta da minha juventude”. Mas na capa do volume II, tendo ao fundo um céu azul chapado, estava uma linda loura com as mãos estendidas para o alto, segurando languidamente o cordame de um veleiro; ela elevava o queixo viajando na paisagem ao longe, quem sabe a costa amalfitana, e usava uma camisa entre o rosa e o fúcsia, caprichosamente escondendo os mamilos com o tecido florido e uma mecha loura. Um sonho de garota. Presenteei a ela uma boa porção da minha juventude.
Esta imagem é para mim o graal das imagens de mulher, mítica como a morena na praia que inspira Barton Fink a escrever seu roteiro, no filme dos irmãos Coen; habita o fundo da mente feito uma cenoura amarrada às minhas costas e eu fosse um burro burrinho correndo em sua direção: a imagem da felicidade impossível. A felicidade tem peitinhos — e essa era uma das coisas que me fascinava na anônima loura italiana: parecia não ter peitos, ou tê-los pequeninos como os das garotas do colégio. Sorry, Freud, mas você não explica tudo, e não pode entender por que uma mulher de peitos tão diametralmente opostos ao top 50 de mi madre virou imagem da felicidade absoluta.
Pouco tempo depois eu flagraria uma prima mais velha saindo do banho — ela também tinha peitinhos. Lembro ainda que na época se usava bustiê, uma espécie de top meio bufante, que nunca deixava você saber exatamente qual o tamanho do recheio, um troço enlouquecedor. Úberes mignonettes passariam a ser uma ubíqua obsessão até que, ao contrário do romântico Sergio Endrigo, eu acabasse por trair minha madeleine afetiva e me perdesse pelas estradas do mundo amando seios de todos os tamanhos e formatos — desde que não fossem muito parecidos com os de mamma mia.
Fiquei de cara, então, quando, lá pelos anos 90, começaram a pipocar peitudas pelo planeta. Pamela Anderson, do seriado Baywatch (aqui chamava SOS Malibu), foi uma das primeiras musas a ultrapassar a fronteira entre o documental doméstico e o pornô, com a sextape em que faz um boquete no marido Tommy Lee enquanto ele dirige um carrão à beira-mar. Mas ela já era famosa pelo corpo hourglass, ou ampulheta — bundão, cinturinha, peitão —, padrão predominante das beldades ianques. No auge, Pamela media 1,70m, pesava 57 quilos e portava seios 34DD, ou seja, 77cm de largura e 97cm na altura dos mamilos (vi no Body Measurements).
Pamela talvez tenha sido mais sintoma do que causa da proliferação de big boobs — que, media culpa, também foi estimulada por esta Playboy, demasiado mamocrata dos anos 90 para cá. Tempos terríveis: vivia sonhando com o episódio “O Ataque da Teta Assassina”, em que Woody Allen é perseguido por uma mama que esguicha leite (Tudo O Que Você Queria Saber Sobre Sexo Mas Tinha Medo de Perguntar, de 1972). Ou, como na imagem espantosa de O Seio, romance de Philip Roth também de 1972, em que o professor David Kepesh acorda certa manhã, depois de sonhos intranquilos, metamorfoseado em um gigantesco tetão. Vivemos nas HQs de Robert Crumb por um bom par de tetas, digo, décadas.

A derrocada da mulher-mamão
Parece que o jogo virou, não é mesmo? Não demorou pro padrão peitão ficar demodê. Dizem que até mesmo a musa de alta combustão Scarlet Johansson diminuiu o conjunto de sua obra — informação que infelizmente não pudemos checar. O empoderamento das mulheres através do feminismo, que as motivou a impor suas próprias regras de beleza (exemplo radical é o Femen, cujas integrantes sempre ostentam os peitos, sejam de que tamanho forem), a estética New Nude, proposta por revolucionárias publicações como a Nerve — que trouxe fotografia direta e pessoas mais reais em seus ensaios eróticos —, a influência dos hentai orientais, a disseminação do pornô caseiro, que mostrou ao mundo como todo corpo pode ser belo — quanto mais imperfeito, mais tesudo —, e a ascensão de novas musas ou revalorização de musas vintage nada peitudas como Kate Moss, Jane Birkin, Natassja Kinsky, Milla Jovovich, Charlize Theron, Keira Knightley, Freja Beha Hansen, Claire Danes, Kristen Stewart, Diane Krueger, Natalie Portman, Cameron Diaz, Lupita Ngoyo… Entre outros tantos motivos, como a própria lógica da moda, que se propõe gangorra permanente, fez com que os peitinhos voltassem a ocupar seu devido lugar: o de nossa irrestrita devoção.
Hoje — sorry, não se pode ter tudo — o peito com silicone é tão kitsch quanto um quadro de criança chorando (aquele onde dá pra ver o diabo) ou um gato da sorte japonês. Marcelo Rubens Paiva, em recente crônica, notou a derrocada da mulher-mamão: “Numa pesquisa informal entre amigos, a maioria não curtia mulher siliconada, sentia aflição em apalpar. E saudades das curvas da natureza e do caimento do tempo de uma mulher sendo contado pelos seios. ‘Siliconada’ passou a ser adjetivo de reprovação: ‘É gata, mas é siliconada…’ Quase decepção quando se revelava o segredo daquele corpo escultural: ‘Tudo falso’.” É verdade, e dou fé.
Eis um bom motivo para o naufrágio do silicone: a atual obsessão pela autenticidade. Hoje ser autêntico, verdadeiro e “real” é um valor em si. Valor monetizável: orgânico, original, sincero, incopiável, o número 1. É um dos valores mais caros ao hipsterismo, essa doença moderna: todo mundo quer ser autêntico. Claro que parecer autêntico não quer dizer necessariamente ser autêntico. E é claro que se todo mundo for autêntico, ser autêntico será uma tendência de comportamento — e nada menos autêntico que seguir uma tendência.
Mas na sociedade parecer é mais importante que ser. Dentro dessa escala de valores, Banksy (um artista de rua inacessível) tem mais valor que Romero Britto (um pastiche da pop art), tal como Amy Winehouse (bluesman legítima e de vida trágica) sempre terá mais valor que um Foo Fighters (banda de rock genérica e de vida fácil), ou encontrar o restaurante de comida mais exclusiva é bem mais legal que comer costelas no shopping center… e por aí vai. Peitos autênticos passaram a ganhar likes — mas você é do tipo que acredita tanto em likes quando em duendes e no Coelhinho da Páscoa, não?
Tão gostosos que eu mesma queria chupar
Aproveitando a onda, perguntei a algumas amigas nada despeitadas, de seios elegantes e coração ainda maior, como foi passar por aquela época GGG. “Aos 14 você quer se encaixar nos padrões, ser aceito, ter amigos, e eu não tinha nada disso“, conta V., uma publicitária alta e sinuosa, cujos eretos e rosáceos mamilos são trespassados por piercings. “Os seios das meninas já apareciam, e vi logo que os meus não cresceriam mais. Colegas da escola começaram a fazer bullying e por reflexo quis por um breve momento aumentá-los. Meu pai não concordou com minha idéia imatura, e o agradeço“, V. diz.
“Um zé-mané que eu pegava com 20 anos menosprezou meus peitos“, recorda G., editora célebre pelo incrível equilíbrio entre o moreno par de bicos vulcânicos e a miraculosa calipígea, e por jamais sair às ruas de sutiã (e, muitas vezes, sem calcinha). “A gente estava na praia com outro amigo dele, tinha pouca gente, fim de tarde. Anunciei que ia tirar o top do biquíni. Ele: ‘Não tem nada pra ver aí mesmo!’. Dispensei ele logo que voltamos e ainda catei o amigo (que comentou que tinha sido idiota ele falar aquilo)“, ensina G.
Não é bom negócio vir com esse papo, pessoal. “Na primeira transa o cara disse: ‘Se seus peitos fossem maiores, você seria perfeita’. Gargalhei, deixei ele de pau duro lá e fui embora na hora“, ri A., uma jovem empreendedora de diáfanas e arredondadas maminhas castanhas. Ela reflete: “Existe um negócio de achar que mulher peituda ‘é melhor’ que as outras. Aliás, não só peitos, mas bunda, altura, lábios, cabelo. Muita menina cresce usando peitos grandes como método de conseguir coisas. Mulher ainda é definida por corpo e aparência. Socialmente, ninguém define um cara pelo tamanho das suas costas ou da sua barriga, nem falam do tamanho do pau dele. Já o corpo todo da mulher é alvo de comentários em qualquer lugar”, condena A., que parece ter superado bem o bullying da adolescência: “Cara, meus peitos são perfeitos. Eu os chuparia todos os dias se pudesse!“, zoa.
Pesquisadora de imagem, V. entende que hoje, na cultura ocidental, seus microsseios são tendência. “Estamos num período onde se discute muito gênero, sexualidade, feminismo, igualdade entre sexos… é natural que a moda seja uma menor distinção entre gêneros, e o que é masculino ou feminino. Mas essas coisas mudam a todo momento“, pondera. “Existe uma cultura que valoriza seios durinhos e que apontem para a lua: seios jovens”, contrapõe a escritora R., uma princesa semita de sílficas aréolas 50% magenta. “Os grandes mantêm por menos tempo esse nível de elevação – a gravidade, assim como a Avon, chama“, recomenda R., esperta.
E o fato de ter peitinhos não significa que elas mesmas só tenham tesão por peitinhos. “Curto um look andrógino em homens e mulheres, sou millennial“, revela R. No gosto pessoal, a empreendedora A. vai mais pela metáfora que pela metonímia. “O tesão é no corpo como um todo. Peitos são bonitos de qualquer jeito“, diz. No que é bisada pela publicitária V.: “Meu tesão pouco tem a ver com o tamanho dos seios. Com todos os tipos diferentes de mulheres que me atraíram, aprendi a apreciá-las em suas mais diversas formas. Gosto de mulheres inteiras, não dos seios isoladamente“, analisa. A editora G. também já preferiu os extraplus. “São diferentes dos meus, né? E acho lindo também… A Christina Hendricks, a Penélope Cruz, a Sofia Vergara, enfim! Mas confesso que tô numa fase de admirar os médios e pequenos. Peitinho é tendência. Um peitinho foda é o da Rihanna“, suspira G.
A editora analisa assim o fenômeno: “Esse padrão está mais democrático, referências diversificadas. Tem muita atriz pornô com peitinho, como Asa Akira e Sasha Grey, um culto ao padrão teen nesse segmento, estrelas pop como a Iggy Azalea. Rolou um boom de bumbum fora do Brasil que não existia e tirou o foco dos peitões“, G. lembra. Todas as amigas do peito são unânimes em dizer que o padrão peitão é coisa do passado nos EUA: nosso irmão do norte deu uma desmamada. “A beleza latina tomou conta e as bundas, hoje em dia, são tão ou mais fetichizadas que os seios”, afirma R, que tempera: “O que não democratiza tanto as coisas, já que é tudo parte do pacote opressor dos padrões de beleza impostos pela ahã mídia“, brinca.
Por fim, dois temas vêm à baila quando o foco são peitinhos: maternidade e espanhola. Sobre o primeiro assunto, a empreendedora A. é taxativa: “Maternidade não tem nada a ver com tamanho de peitos assim como tamanho de pau não tem nada a ver com a virilidade de um cara”, afirma. E se o cara se atrapalhar na espanhola? “Pura falta de imaginação. Dá pra fazer espanhola, italiana, portuguesa, qualquer coisa — vontade é que não dá para passar!“, ensina a jovem, empinando orgulhosa seu par de taças de leite e mel.
[Esta pensata-playground saiu na edição #1 da nova Playboy]