Todo domingo, são milhares. Embora pareçam invisíveis, estão no meio de nós. Pensata pra revista seLecT
Eles surgiram devagar, na esteira de dois fenômenos, ambos centrados na triste figura do prefeito Gilberto Kassab: o higienista-nazista projeto Cidade Limpa e a anarco-capitalista especulação imobiliária. Multiplicados por São Paulo, espalharam-se, como câncer, pelas capitais do Brasil e da América Latina. São os homens-seta – crias do antigo homem-sanduíche. Tonificados por um sanduíche de presunto e queijo, ou, com sorte, por R$ 50 diários (dá pra fazer R$ 1500 por mês, me disse um), esse lumpesinato moderno pendura uma seta no pescoço anunciando o monstrengo imobiliário mais próximo.
Os homens-seta são um drible na Cidade Limpa, que proíbe anúncios em lugares públicos – desde que não sejam tracionados, tais como os medievais jiriquixás, por corpos humanos. Em suas duas administrações, o frouxo alcaide descuidou-se de um plano diretor para a cidade e deixou-a ao léu da voragem imobiliária. Esta, que sempre usou as formas de propaganda mais baratas e ineficazes para divulgar suas novidades – lambe-lambes, filipetas distribuídas nos semáforos –, criou esse gênero publicitário que comprova: por trás do anúncio, o ser é o nada. Bem, até agora, o novo prefeito, Fernando Haddad, mesmo com todo o seu lastro acadêmico, tampouco dirigiu seu olhar na direção da miséria humana dos homens-seta.
Se o meio é a mensagem, como dizia McLuhan, que mensagem nos transmitem os infelizes homens-seta? Eles não estão ali: apontam para outro lugar. Sem-teto, ao desabrigo do sol e da chuva, lembram à enriquecida nova classe média que ali perto há um bom lugar para viver. Se o meio é a mensagem, o homem-seta diz: “Veja, não estou aqui, não sou mais um humano – sou só um cabide, um poste, uma dica, um sinal. Abdiquei de minha natureza; me transformei em ‘2 e 3 dorms'”. Um homem-seta empunha seu cartaz como uma guitarra: ironia ou nostalgia da humanidade?
Uma vez presenciei um agrupamento de homens-seta: era o horário de distribuição de água e lanche. Cerca de dez homens e mulheres apontando para a esquerda e para a direita, soltos de suas funções, rindo, falando em seus celulares, bebendo e comendo com sofreguidão. Naquela esquina ensolarada, um dilúvio de direções e flechas provocava um caos cognitivo e apontava para o mesmo lugar – o lugar da fome, da sede, da miséria. Eis a mensagem do homem-seta: o Brasil não é a sexta economia do mundo; nosso progresso não aponta para cima – mas para baixo. Para o reino dos homens-coisa.
Viu a novidade? Agora duas mulheres põe uma camiseta enorme, juntas, o que faz com que vire uma espécie de mural ambulante. E elas ficam presas uma à outra, como xipófagas! Nos Jardins, esse fim de semana, vi dois pares de coitadas.
Beijo, amigo. Valeu. Já vi cada uma desse tipo de propaganda…
Lindo texto ! Me emocionei bastante . É como o bom e velho soco no estômago .
Parabéns !