100 dias de Haddad

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Tae kwon do, violão clássico, marxismo moderno e política olho no olho: alguns dos temas articulados por Fernando Haddad, o prefeito mais surpreendente produzido por São Paulo. Perfil de capa da revista Poder de março.

Seu Fernando abre a porta com a cara amassada, cabelo revolto, camisa amarrotada, olhos vermelhos. Sorri, jeitão despachado: “Que coisa, gente… capotei numa soneca, desculpem. Entrem, querem uma água, um café?“, oferece. Um cão velho, meio labrador, meio golden retriever, vem sorrindo com o rabo e senta-se aos pés de Seu Fernando, que parece atordoado no sofá da sala de seu apartamento. “Sentem, por favor. Começamos pela foto ou pela conversa?” O fotógrafo sussurra que, como a imagem de Seu Fernando vai parar na capa da revista, talvez fosse interessante trocar de camisa. Dois minutos depois e Seu Fernando volta numa camisa listrada clara, para fora da calça, o jeitão ainda despachado —porém os olhos agora estão alertas e o cabelo, impecável. “Podemos começar?

Seu Fernando é assim chamado pelo porteiro do prédio onde vive, no Paraíso — um desses edifícios dos anos 70 de pé-direito alto e arquitetura tão despretensiosa que passam batidos; sua vista é para outros edifícios de classe média, sem céu, skyline tipicamente paulistano. A reportagem de PODER fica intrigada: cadê a segurança da prefeitura? “Não tem segurança“, afirma Fernando Haddad, 49, mandatário da sexta mais populosa cidade do mundo, que concentra o décimo PIB entre as cidades do planeta e 13% de todo o PIB brasileiro. “A segurança da prefeitura se queixa, mas não quero guarda-costas pra passear com o cachorro e andar de bicicleta com minha filha no Ibirapuera. O prefeito tem que sair na rua, explicar às pessoas o que acontece. A segurança diz que é perigoso: a gente compra briga, demite, corta contrato de empresa poderosa… deve ter gente que não gosta de mim. Mas prefiro assim.

De fato, embora Haddad seja elegante no trato com o prefeito anterior — afinal, o PSD de Gilberto Kassab pertence à base aliada do governo federal —, seus atos em seus primeiros cem dias não deixam dúvida para com a impressionante mudança no estilo de governar. Uma das brigas que comprou é com a empresa Controlar, responsável pela inspeção veicular em São Paulo. Segundo Haddad, por conta dessa taxa a cidade perde cerca de R$ 250 milhões anuais em IPVA — os motoristas preferem emplacar o carro nas cidades vizinhas para fugir da taxa —, e além disso, a Controlar é uma “empresa ficha-suja“. O prefeito também afastou 400 pessoas em pleno Carnaval: todos funcionários ligados à gestão Kassab, a quem o prefeito evita criticar diretamente — mas, para bom entendedor, os recados são claros.

No mesmo dia da entrevista, um sábado, Haddad tinha dado o pontapé inicial em uma gigantesca obra na região sul, na avenida M’Boi Mirim, que combina piscinões e novas avenidas que custarão cerca de R$ 400 milhões. Na inauguração, destacou: “Em menos de 60 dias, conseguimos uma licença ambiental que estava parada há mais de ano”. Só nos primeiros 50 dias de governo o prefeito participou muito mais de reuniões com o secretariado e circulou muito menos do que Kassab, que ia a um evento por dia: foi a 25 eventos públicos, passou o boné em visita à presidenta Dilma Rousseff e fez 82 reuniões.

Ele adora reunião“, diz um funcionário da prefeitura que prefere não se identificar. “Costuma até fazer reunião enquanto almoça no gabinete.” Outro funcionário diz que Haddad é uma mistura de Lula com Dilma. “Tem a capacidade de negociar do primeiro, mas é durão como a presidenta. Só que ele tem um diferencial: cobra direto, não delega. E tem boa memória. Cobra uma tarefa, duas, três vezes, mas se na quarta o cara não fez, ele mesmo manda ver. Não chega a ser ríspido, mas é severo.” Haddad comprou brigas em seu próprio partido ao nomear funcionários de escalões inferiores identificados com Serra e Kassab: seguindo sua gestão à frente do MEC, o prefeito afirma contratar de acordo com o currículo.

O jeitão Haddad é o mesmo envergado à época do MEC, onde esteve à frente por oito anos: irrita-se com atrasos, tem horror a seguranças, nunca se senta à cabeceira de mesas — e volta e meia incorre em termos inusuais, ora de jargão técnico ora acadêmicos, que intimidam os interlocutores. “Ele tem uma mania de falar em ‘clivagem‘, ninguém entende…“, brinca um outro funcionário da prefeitura. Traços de uma formação inusual também na política. Nunca houve um prefeito de São Paulo com formação acadêmica tão extensa quanto a de Haddad, autor de cinco livros de filosofia política.

Conciliando os estudos com o trabalho ao lado do pai, o libanês Khalil Haddad, dono da Mercantil Paulista, loja de tecidos na rua 25 de Março (onde, diz, pegaria o gosto por falar olhando no olho e desenvolveria a intuição para adivinhar bons pagadores e caloteiros), Haddad formou-se em direito no Largo de São Francisco, depois mestrou-se em economia e doutorou-se em filosofia, sempre na USP. No começo dessa trajetória foi presidente do diretório acadêmico, sucedendo um de seus melhores amigos, Eugênio Bucci, ex-presidente da Radiobrás. “Fernando era estudioso e tinha um ativismo acentuado: militava forte, mas tinha um tino de administrador impressionante.”

Fernando Haddad é a grande incógnita da política brasileira“, afirma o editor e historiador Milton Ohata. “Sua vitória usou o emblema do ‘novo’ e tanto a composição de parte de seu secretariado quanto seus atos de governo sugerem que ele busca confirmar esta marca. Mas, praticando até agora uma hábil política de coalizão, Haddad fez concessões ao ‘velho’“, pondera Ohata, mencionando a célebre imagem do então candidato do PT entre risos e abraços com Lula e Maluf. Chocante à primeira vista — um antigo inimigo do PT oferecia dois minutos na campanha de TV em troca de cargos —, a imagem deve ser vista em perspectiva hoje.

Pragmático, Haddad repete uma velha justificativa — “o PP é um partido da base aliada” —, mas, na prática, deu um golpe de mestre. A secretaria de Habitação, um dos principais focos de suspeitas de corrupção na gestão de Kassab, foi uma exigência de Maluf para fechar o apoio a Haddad, descontentando setores do PT ligados a movimentos pela moradia. Só que, antes de ceder a Maluf, Haddad desidratou a secretaria, transferindo a atribuição pela aprovação de empreendimentos, alvo de muitas suspeitas, para a secretaria de Controle Urbano; além disso, 98% do orçamento da secretaria do PP, cerca de R$ 1 bilhão, foram congelados — manobra astuta que recebeu críticas da oposição tucana.

Da várzea ao Municipal

Fernando Haddad cresceu no Planalto Paulista, zona sul, onde costumava jogar bola em campos de várzea — é são-paulino. Conhecido como “Dandão” quando jovem — tem 1,83m e calça 45 —, fez o ensino médio no Colégio Bandeirantes. No terceiro ano da faculdade de direito iniciou sua atuação na militância estudantil: presidente do centro acadêmico, participou do movimento Diretas Já. Casado com a dentista Ana Estela Haddad desde 1988, é pai de Frederico e Ana Carolina. Professor de ciência política na USP, como consultor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) criou a tabela Fipe, principal regulador dos preços de veículos no mercado nacional — embora deteste dirigir. Começou na política como chefe de gabinete da Secretaria de Finanças, de 2001 a 2003, na gestão Marta Suplicy — onde criou os CEUs —, e em 2003, passou a integrar a equipe do Ministério do Planejamento, como assessor especial, onde inventou as PPPs, parcerias público-privadas. Na época em que foi ministro da Educação de Lula e Dilma Rousseff, entre 2005 e 2012, aprendeu a lutar tae kwon do.

A arte marcial tem sido cada vez mais trocada pelo xadrez político, onde o prefeito vem se esforçando por unir o discurso socialista à ação direta. “A ‘novidade’ de Haddad talvez esteja na tentativa de unir a teoria e a prática, algo que nos últimos anos andou esquecido pela esquerda“, analisa Ohata. Esquerda, sim: o termo, que a alguns parece ter perdido o sentido e a outros ainda atemoriza, a Haddad é cara — passada a campanha, em que todo radicalismo poderia assustar o eleitor, ele se declara socialista sem o menor medo.

O filósofo prefeito ainda crê que o socialismo é o horizonte a não perder de vista. Mas a filosofia, ao menos por enquanto, tem se dado no plano prático; o excesso de trabalho faz com que o prefeito tenha menos tempo para reler seus filósofos de predileção, Habermas e Adorno, e restrinja as horas livres ao cinema (gostou de Argo e Lincoln) e aos prazeres da mesa (bate ponto no Rubayat, Gero e Pomodori, e se confessa chocólatra). Workaholic, Haddad tenta manter o estilo de vida de professor — o que inclui o ócio criativo, reservando à prefeitura apenas o horário das oito às oito. Na sala, um violão acompanha o songbook de Chico Buarque e a partitura de um rondó de música clássica. Uma hora depois da entrevista, este fanático por Beatles compareceria à abertura da temporada do Teatro Municipal, em cujo programa constava Tristão e Isolda, de Wagner, sob a batuta de John Neschling.

Se, no mesmo dia, presencia-se um prefeito conjugar no mesmo discurso os termos M’Boi Mirim, Habermas, Paul McCartney, Wagner e soneca — sem contar alguns palavrões dirigidos ao pastor-psicólogo pentecostal Silas Malafaia, que o atacou duramente na campanha —, pode-se afirmar que a cidade vive ares bem diferentes. “Nosso prefeito nasceu sob o signo dos idealistas aquarianos, seres sociáveis abertos a novas ideias“, afirma a horoscopista da Folha de S.Paulo, Barbara Abramo. “E, embora tenha de lidar com grupos econômicos e políticos poderosos, poderá vir a ser governador de SP por sua obra durante a prefeitura“: assim estaria escrito no mapa astral de um prefeito nascido aos dois minutos do dia de aniversário de São Paulo, 25 de janeiro. No momento, ele afasta essa possibilidade. Mas não nega. Como filósofo e político, o sério porém afável Seu Fernando entende que dialética é a arte de dizer nem sim nem não, muito antes pelo contrário — e ainda assim, fazer sentido.

Todo sabemos que São Paulo é refém da especulação imobiliária. Como reformular a política urbana? Congelar bairros seria uma solução? Não quero que o debate sobre o Plano Diretor se restrinja à especulação. Bairros cuja capacidade de adensamento está comprometida irão sofrer, como a Vila Olímpia, a não ser que investimentos em obras viárias sejam feitos. Pra isso precisamos privilegiar o transporte público. Vamos repensar as marginais Pinheiros e Tietê, e as avenidas Cupecê e Jacu-Pêssego, como pólos de expansão lineares, em vez de centros isolados. Nos desenvolvemos em movimento de manada: todo mundo indo pro mesmo lado. A ideia é ocupar ao longo de toda uma linha. Hoje derrubamos todos os sobrados de um bairro, liquidamos um lugar e em seguida vamos procurar outro. Agora, meu temor é que, para tentar não haver um adensamento absurdo em um bairro, se queira o congelamento de obras… mas, no fundo, o que se quer é afastar as pessoas. Há bairros onde não se gosta do famoso “gente diferenciada” por perto. Tem gente nos bairros nobres que não gosta de carro, o que é ótimo; mas tem gente nesses bairros que não gosta de gente. Por que não mixar empreendimentos as classes A e B com habitações populares, para os trabalhadores morarem mais perto de onde trabalham?

Como foi o choque de realidade ao assumir a prefeitura? Não houve surpresa porque eu vinha acompanhando a situação da prefeitura desde que deixei o MEC. Me surpreendi com alguns percalços: crianças estudando em escolas ainda em construção, suspensão de contratos de zeladoria, como no caso da jardinagem… Agora, o esforço feito para São Paulo recuperar sua capacidade de investimento será uma obra titânica. Hoje investimos, por habitante, a metade do que o Rio investe, o que já não é nenhuma maravilha. Imagina o esforço que não será chegar ao fim do mandato com obras prontas. Estamos muito endividados e o orçamento está comprometido com contratos de custeio com empresas terceirizadas em 14 bilhões de reais! Na outra ponta, a cidade está insolvente em sua dívida com a União. Hoje a cidade está inviável.

Muita gente o criticou por ter desaparecido durante as enchentes de verão. Qual deve ser a função do prefeito diante de uma calamidade? A presença simbólica — e cênica — do prefeito deve existir quando ocorrer uma ameaça à integridade física das pessoas. Como a água não tem chegado às casas das pessoas, a atividade do prefeito deve ser administrativa: nos próximos dias vamos liberar a licitação de 70 obras em R$ 150 milhões em áreas de alagamento — assinamos com a presidenta Dilma convênios para áreas de risco e vamos buscar dinheiro do PAC. Queremos um piscinão na Anhaia Melo, e encomendei estudos na praça da Bandeira e na Pompeia, há 30 anos com problema crônicos. Na Bandeira achamos uma solução técnica diferente: faremos um cilindro ao longo da Nove de Julho na direção da Paulista; é um reservatório que acompanha o leito da Nove de Julho e que vai drenando a água para o Tamuandateí, uma obra revolucionária.

O número de carros rodando em São Paulo vai fazer a cidade parar. Por outro lado, o governo federal atrelou o desenvolvimento do país ao estímulo da indústria automobilística, política típica dos anos 1960, zerando o IPI dos automóveis até o fim do ano. Quando São Paulo chegará à decada de 2010? Essa semana licitamos os seis primeiros corredores de ônibus, na zona leste. Queremos mais 150 km de corredores; hoje temos 130 km. Outra coisa é considerar a bicicleta um modal de verdade. Não gosto dessa história de ciclofaixa só aos finais de semana. Vamos tentar na Câmara conceder o transporte de bicicleta em São Paulo nos moldes que funcionam em Paris, porém melhor, pois vamos integrá-la com o bilhete único. E as bicicletas serão gratuitas. Bicicleta não pode ser só para lazer.

O Nova Luz, projeto que urbanizaria a cracolândia, foi cancelado. Por quê? Vamos promover uma mudança bem interessante no projeto, com a parceria com o governo do Estado e a União, em um edital aberto para 20 mil moradias. Isso vai revolucionar o centro da cidade! [Entusiasma-se.] Imagina 50, 100 mil famílias voltando a morar no centro, hoje desocupado? É muito mais interessante do que jogar 45 quarteirões na mão de uma empresa, repassando a ela o direito de desapropriar — uma coisa que me deixava preocupado. Tenho uma fé enorme nesse projeto. É um caminho sem volta para a requalificação do centro.

Correram rumores de que a Casa Fora do Eixo teria indicado o ex-ministro da Cultura, Juca Ferreira, para secretário de Cultura. Essa história procede? Houve esse encontro com o pessoal da Casa Fora do Eixo, em especial com o Pablo Capilé, que foi uma das pessoas que sugeriram Juca Ferreira na secretaria. Escolhido o secretário, ele articulou uma conversa com duas mil lideranças de movimentos culturais independentes, que por si só foi um evento de cultura sem precedentes na história da cidade. Tudo é cultura, enfim. Da mediação do encontro dos moradores da praça Roosevelt com os skatistas e a celebração de um acordo, até a criação de um centro cultural ao lado do estádio de Itaquera, pra não deixar aquilo parecendo uma espaçonave que aterrizou sem nada em torno.

O carnaval também foi diferente este ano em São Paulo… O Juca fez questão de sinalizar uma política de ocupação e suporte aos blocos de carnaval. Não precisa proibir o carnaval de rua pra que a cidade funcione. Queríamos permitir a folia, percebemos a vontade de celebrar, se encontrar, ganhar as ruas, então você vê que a cidade pulou o carnaval como há muito não fazia. Já eu fui só no Sambódromo…

Na gestão anterior as subprefeituras eram ocupadas por coronéis da PM. O que mudou? A grande maioria dos novos subprefeitos é de arquitetos e engenheiros. É uma mudança de filosofia. Uma subprefeitura não pode ser uma delegacia que reprime, ou um órgão burocrático que fica carimbando coisas, e sim um lugar que procura os cidadãos para pensar em oportunidades de cultura, negócios, empresariais. A comunidade tem de participar da subprefeitura, não pode ficar tudo centralizado em mim.

Que achou da recepção que a blogueira cubana Yoani Sánchez teve no Brasil? Não foi curioso ver Jair Bolsonaro e Eduardo Suplicy juntos, a defendendo? Acompanhei pouco, porque achei o debate pouco apetitoso. Não vi razão pra tanto foguetório. É uma pessoa bem-vinda, mas muita gente interessante vem pro Brasil e não tem essa recepção.

Por falar em paradoxos, sua famosa foto com Lula e Maluf equivaleu a uma queda do muro de Berlim. Ainda faz sentido falar em esquerda e direita? Nossa! Totalmente. Mas você tem que ver quem está apoiando quem pra entender o movimento que está sendo feito. Não abdiquei de princípios em nome do apoio de Maluf. Recebemos pouco investimento do PAC nesses anos, e muitas coisas dependem do ministério de Cidades, que é o do Maluf.

Maluf recentemente escreveu na Folha defendendo o Minhocão… Não gosto do Minhocão. Não teria feito. Se o Arco do Tietê der certo, é uma possibilidade natural inviabilizar o Minhocão.

Nas eleições, o centro expandido, que concentra a intelectualidade, votou em peso em Serra, enquanto que nas periferias o PT venceu. Como é governar uma cidade dividida? Escolaridade não é renda. Na USP eu ganhava de longe do Serra. Nas universidades tenho certeza de que ganhei a eleição. Ganhei nos estratos mais elevados de escolaridade, e não de renda, que são coisas diferentes. Quanto à recepção, mantenho minha rotina. Vou aos mesmos cinemas, restaurantes, parques. Sinto uma boa expectativa. As pessoas me conhecem melhor hoje. E já tomei medidas coerentes com o que eu diria que ia fazer. A Universidade da Zona Leste está garantida, assim como o Instituto Federal na Noroeste, a nova avenida M’Boi Mirim, os corredores de ônibus, o edital de moradia no centro. Isso tudo em 50 dias!

De todo modo, a campanha demonstrou que a cidade continua conservadora em termos comportamentais, não? Sem dúvida a onda atual é conservadora. Mas acredito que existem forças conservadoras, e não que a sociedade paulistana em si seja assim. Cabe a nós seduzir a sociedade com novas ideias, provocar o debate.

Notório por suas críticas ao PT, o colunista da Veja, Reinaldo Azevedo, tem chamado você de Supercoxinha, como um sujeito bom moço que quer ser super-herói. Que acha disso? Ah, você não vai me perguntar dele, vai? [Irritado.] Não frequento o ambiente virtual dele. Ele é uma caricatura de jornalista, né? Mas acho que para a esquerda é funcional a existência dessa figura. Faz muito bem pro nosso projeto! As pessoas vêem o quão patética é a alternativa nesse momento. É como o pastor Silas Malafaia. Os ataques dele à minha campanha foram tão ridículos que acabaram me ajudando.

Se tivesse 20 anos hoje, acharia atraentes a estrutura atual da democracia partidária? Não agiria diferente. Estava nascendo o PT quando comecei, um fenômeno único na história do Brasil, um partido nascido de movimentos sociais. Trinta anos depois, o PT ainda é um ponto fora da curva, nenhum partido tem a nossa história. E é até ruim que seja assim. Não vejo hoje nos novos partidos nenhum construído a partir de uma base tão capilarizado no Brasil a ponto de ter um terço do eleitorado. Os outros partidos são construídos de maneira burocrática ou elitista. Por outro lado, existe uma despolitização do debate no mundo inteiro. Em geral a crise detona novas ideias, mas essa crise não tem trazido à tona movimentos mais espetaculares de inovação: hoje o debate político é muito administrativo. Falta imaginação. Poucas lideranças no mundo apontam caminhos inovadores. O Lula foi um deles.

O Manifesto Comunista comemora 165 anos. Marx ainda tem algo a dizer? Continua atual, claro: é o autor crítico por excelência, insuperável. As tendências de mercantilização, de redução dos seres humanos a uma lógica que não dominam, estranha a eles próprios, domínio da natureza e destruição do meio ambiente, financeirização da economia, acumulação de riqueza em meio à pobreza, aumento da desigualdade, ele percebeu muito antes. Do século 19 é meu favorito, mas no século 20 eu prefiro o Adorno.

Marx talvez dissesse que hoje somos escravos de um meio de produção que é ao mesmo tempo meio de gozo: o smartphone. Como é seu relacionamento com a tecnologia e as redes sociais? Mantenho distância. Me desconecto totalmente. Quase nunca respondo e-mail. Prefiro resolver por telefone ou pessoalmente. Mas algo que mudou meu comportamento foi como fonte de informação. Busco tudo na rede. Gosto dos portais, leio o blog do Luís Nassif, mas não entro em Twitter ou Facebook. Acho que política se faz face to face.

Cabe filosofar na prefeitura? Em todo lugar! Mesmo em minha carreira acadêmica, sempre olhei o Estado como o melhor instrumento de transformação da sociedade. Numa prefeitura você mobiliza saberes para tomadas de decisão que vêm da discussão sobre ética, justiça, equidade, democracia…

E metafísica? Não, isso não! [Risos.] A realidade e o mundo já são metafísicos demais. Quer coisa mais metafísica que o capital? Hoje somos regidos pelo capital, que é metafísico.

Dá tempo de ler algum livro? Que faz nas horas vagas? Tenho lido livros sobre urbanismo. Gosto do que todo paulistano gosta. Saio muito pra comer, e todo mundo aqui em casa curte comer fora. Vou muito ao Rubayat, Pomodori, Gero, lanchonetes do Itaim, Tenda do Nilo vou demais… Mas ando sem tempo. Dedico uma parte do tempo pra ouvir música, tocar um pouco de violão. No cinema, assisti Lincoln, Argo, e gostei muito.

Quais são seus melhores interlocutores hoje? Bom, tem o pessoal do Pizza Socialista que se reúne toda semana no Bonde Paulista, liderados pelo Roberto Schwarz, um povo que gosto muito de encontrar. Estão lá a Leda Paulani, secretária do planejamento, o André Singer, o Jorge Grinspum, amigos da USP, Eugênio Bucci, a esposa dele Maria Paula, que trabalhou comigo no MEC, Nunzio Briguglio, o pessoal do PT, da prefeitura, amigos do MEC…

Dizem que você adora reunião… Na prefeitura você tem que cuidar de muitos assuntos diferentes simultaneamente. E gosto de trabalhar de forma horizontal, despachar com muita gente, conhecer a hierarquia. Quero conhecer o responsável direto por uma ação prioritária. Às vezes está na mão de um diretor lá embaixo e quero saber quem é. Minhas reuniões têm duas dúzias de pessoas. Não gosto de delegar pra uma pessoa cobrar outra. Aliás, fica o conselho: isso não funciona. Despache com o terceiro, quarto escalão. O prefeito tem que conhecer todo mundo. Saber quem está apertando o botão ali na ponta é imprescindível.

E o futuro? Reeleição ou governador de São Paulo? Não gosto de pensar em dois mandatos. Quando era ministro, pensava em termos de projeto. Só saí quando achei que a reforma educacional estava feita. Na prefeitura, recebi um mandato de 4 anos. Se pensar em oito, já começo a encostar o corpo, deixar as coisas pra depois…

E como vai ser São Paulo no futuro? Uma cidade mais equilibrada, com as pessoas morando mais próximas do seu trabalho, uma cidade mais sustentável, com mais tempo livre, menos transtornos e mais encontros.

O amigo
por Eugênio Bucci

Me lembro do Fernando chegando às reuniões que fazíamos na São Francisco. Eu era candidato a presidente do diretório acadêmico e a gente se reunia muito em uns bancos recurvados que ficavam em baixo das escadas, no saguão principal. O Fernando foi um dos mais ativos na campanha. Era muito jovem, tinha 20 anos. Depois disso, virou meu ‘sucessor’, quero dizer. Na campanha do ano seguinte (a eleição foi em outubro de 2004), nós o escolhemos para ser o candidato a presidente. E ele ganhou. O nome da nossa chapa era The Pravda, juntando The New York Times com o Pravda, um jornal americano e um russo, fazendo um trocadilho com ‘depravada’. O que me chamava a atenção no Fernando? Era estudioso, bem estudioso, mas juntava isso a um ativismo muito acentuado. Ele militava pra valer. E tinha um tino de administrador impressionante. Gostava muito de Beatles, eu e ele tocávamos ‘Blackbird’ no violão, e ele achava que o Paul MacCartney era o maior baixista do mundo. Somos os dois são-paulinos, mas só fomos descobrir isso vinte anos mais tarde. Fomos amigos de falar quase todo dia e nunca falávamos de futebol. Durante um tempo, falávamos muito mais de habermas. Depois de formados, convidei o Fernando para trabalhar conosco na revista Teoria e Debate, do PT, mais ou menos em 1989. Escrevemos alguma coisa juntos lá. Depois ele dedicou o livro Em Defesa do Socialismo para mim. E eu dediquei o Videologias para ele. Por que o considero um político diferente? Ele se preparou acadêmica e profissionalmente para isso. Sabe muito de direito, sabe muito de economia (e conhece filosofia de sobra). Acima disso, no entanto, fez o que chamo de a melhor escola de administração do mundo, que é ser dono de loja na 25 de março. o seu Khalil, o pai dele, era dono da Mercantil Paulista e, quando era estudante na São Francisco, o Fernando dava expediente lá todos os dias. É uma cara profissionalmente completo para o poder executivo. E está se saindo muito bem no aprendizado da política.”

BOX 2

Escrito nas estrelas

por Barbara Abramo

Nosso prefeito nasceu sob o signo dos idealistas aquarianos, estes seres sociáveis sempre abertos a novas ideias e capazes de incorporar as contribuições de todos aqueles interessados em melhorar o mundo. Teimoso ele é: além de aquariano, seu ascendente, Escorpião, o dota de tenacidade e persistencia na luta por objetivos e sonhos. Com o ascendente em harmonia em Júpiter, seu papel será de aumentar o conhecimento e trazer formulações e sínteses novas para o campo da educação, uma área privilegiada para ele. Vênus e Marte em trígono tornam fácil somar aliados em prol de metas — os esportes também podem ser bom campo em que irá brilhar. Mercúrio e Lua tornam sua mente profunda e plástica: comunicação será um ponto forte com seus subordinados. Mas terá de enfrentar desafios ao lidar com grupos econômicos e politicos poderosos em sua gestão, representados por Plutão em seu ascendente. Março, julho e novembro serão meses decisivos, testarão seu poder de comando e sua aceitação pelo povo. Sua maior obra para São Paulo será na educação, esportes nas escolas e limpeza e conservação de esgotos e ruas. Poderá se candidatar a um cargo maior e vir a ser governador de São Paulo por sua obra durante a prefeitura.

Autor: rbressane

Writer, journalist, editor

3 pensamentos

  1. bressane, sempre vi a poder nas bancas e nunca me interessei. ao saber do perfil-entrevista do prefeito paulista assinado por ti na edição de março, não vacilei: paguei pela revista apenas para ler o que se anunciava na capa. não me arrependi. abraço!

  2. Muito bom mesmo. Situação, texto e personagem.
    Num perfil podemos tecer opiniões subliminares quando damos mais foco em determinadas características?
    A propósito, reli “contos negreiros”do Marcelino”e estou correndo para agendar a conversa. Disse à Julia (pediram intermediação dela) que prefiro uma hora daqui a alguns dias do que poucos minutos já. Até para formular melhor as questões que me ajudarão no perfil. Mesmo assim já tenho vários tópicos e ainda temos tempo. Até terça.

    Valeu, Daniel Goulart.

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