Querido Zé,
quem te escreve não é só um resenhista ranheta ou um fã que leu todos os teus livros. É também um escritor de uma geração que foi irrestritamente influenciada pela obra de Rubem Fonseca – em especial, teus mais que perfeitos contos. Nessa qualidade, te peço: chega. Teu novo livro, Axilas e outras histórias indecorosas, é mais do mesmo que vem sendo feito na última década, o pó do teu pior. Em um processo semelhante ao que vem acontecendo com os recentes livros do também grande Dalton Trevisan – nascido no mesmo 1925 –, teus novos contos são ossaturas das narrativas bem postas de outrora, expostas tanto em clássicos como Lúcia McCartney (1969) quanto no bom e recente Pequenas criaturas (2002). Mas ideias, personagens, situações e linguagem soam ainda mais repetitivos. O envelhecimento, em especial do corpo, um tema recorrente, é enfocado quase do mesmo modo nos contos do Axilas – psicopatas que se queixam das engordadas mulheres, por exemplo, se repetem em três histórias. E as mulheres nunca foram tão maltratadas como aqui. Triste, a quem se lembra das maravilhosas namoradas do Mandrake, ler as insossas donas de Axilas – duas, tão chatas, têm o mesmo fim: defenestradas pelo narrador. Tuas taras já foram mais perversas: agora contentamo-nos com um sujeito que lambe sovacos e outro que morde bundas. E os enredos redundam sem pudor (a estricnina da página X volta na Y; dois assassinatos são mascarados como latrocínios). Saí da leitura achatado e chateado.
Desta safra, contudo, se salva José, exemplar de um gênero original: a autobiografia não-autorizada. Afinal, como tu, este subreptício José é filho de portugueses, nasceu em Minas, foi viver no Rio, onde vira advogado… O livro interessa por apresentar tua família, primeiras leituras, até mesmo primeiros amores. Uma cena sensacional lança um sentido à tua obra: em uma visita ao zoológico, José afirma que, de todos os animais, o favorito é uma escavadeira ali estacionada. Nada mais sugestivo de um autor que efetuou a passagem de uma literatura de feras aprisionadas à escrita de olho livre no urbano. Fico na torcida para que um possivel segundo volume de José trate da tua misteriosa atividade na época da ditadura e do tempo glorioso de obras-primas como A coleira do cão. Desculpe o mau jeito, mas amigos avisam da couve no dente.
Fica o abraço do
RB.
[Publicada no Guia da Folha / julho]
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