Clássico infantil de Maurice Sendak é finalmente lançado no Brasil, seguido por recriação de David Eggers e filme de Spike Jonze
Monstros Ilimitados

Todo menino de oito anos é um monstro. Os dentes de leite estão caindo, a segunda infância mal chegou, a adolescência parece um lugar nojento e o universo adulto é detestável. De repente, o mundo administrado surge triturando todo indício de sonho. Qual a saída para este serzinho estranho? Fugir para onde vivem seus iguais – os monstros. Esta seria uma interpretação à clássica fábula moderna Onde vivem os monstros, de Maurice Sendak (finíssima edição da Cosac Naify), que, traduzido em 20 países e com 19 milhões de exemplares desde o lançamento em 1963, reúne entre seus fãs do presidente Barack Obama ao diretor John Lasseter (de, como você viu pelo vídeo acima, Monstros S/A – no AMC Movie Blog tem uma reveladora comparação entre as duas obras).
O livro não agradou de cara. “Só críticas negativas… Aí, dois anos depois, descobriram que nas bibliotecas as crianças estavam loucas por ele!“, recorda o escritor e desenhista Sendak, um ranzinza novaiorquino de 81 anos. Narrativa revolucionária para época, a história é narrada quase sem palavras. Max, um capeta em forma de guri que não desgruda da fantasia de lobo, um dia apronta tanto que a mãe o manda para o quarto sem jantar. Seu quarto vira uma floresta, e, ali perto, um barco o convida à aventura no oceano. Dias e dias velejando, Max aporta em uma ilha habitada por bichos gigantescos, que querem comê-lo. Max os domina com seu charme; e se torna O Rei dos Monstros. A ilha é uma festa. Porém, logo vem o tédio, a saudade… e o menino ouve de novo o chamado do mar. E retorna ao quarto – onde o jantar o espera, quentinho.
A idéia de que toda criança é um ser diferente que deseja governar um território selvagem (o título original é “Where the wild things are”) não surgiu assim tão clara a Sendak. Para desenhar os maravilhosos monstros, o autor se inspirou nos tios e avós, judeus que fugiam do Holocausto e foram acolhidos pelos pais. “Tudo neles era tão alienígena! Eu e minha irmã éramos americanos; não queríamos ser estrangeiros. E eles falavam iídiche; não os entendíamos… Não os queríamos por perto. Em seu jeito rude de demonstrar afeto, me assustavam. Achava que poderiam me comer!“, contou Sendak ao guia NYCGo. Outra inspiração veio da própria Nova York: Sendak é do Brooklyn, e a primeira visão dos iluminados edifícios de Manhattan imprimiu em sua imaginação uma cidade amedrontadora, povoada por seres fantásticos.
Na Newsweek, o genial e genioso Sendak mandou pro inferno os pais que reclamam do caráter assustador do livro. “Que as crianças molhem as calças, ora!“, chiou o autor de mais de 100 histórias infantis, cujo mítico mau humor distancia sua figura de duende da de um bom velhinho fabulista – como se nota nessa ótima conversa à National Public Radio .
“Sendak me determinou que o filme deveria parecer perigoso; que respeitasse as crianças e não as tratasse como inferiores“, detalhou o cineasta Spike Jonze sobre as filmagens de Wild Things, realista adaptação roteirizada por ele e David Eggers – Sendak, que detesta Walt Disney, era contra o livro ser recriado como animação. O longa de Jonze (Quero ser John Malkovich) recém-estreou nos EUA, conquistando crítica e público; no Brasil, será lançado em janeiro de 2010. Enquanto isso, o leitor terá em breve o romance Os monstros (Companhia das Letras), que Eggers burilou sobre o roteiro – as 37 páginas do livro de Sendak foram amplificadas para mais de 300 no novo livro. Hábil na investigação da psique infantil, o jovem autor de O Que é o Quê renovou o argumento de Sendak: além dos seres bizarros, Max confronta-se com pai ausente, mãe namoradeira, irmã egoísta, escola chata, amigos cruéis. Monstros bem mais assustadores que um fofinho galo de quatro metros de altura resfolegando “Eu vou te comer“.
Histórias infantis são sempre bem vindas! Nos remetem a um tempo ainda não feridos pelos relógios, um tempo onde Deus é possível. Abraços!!!