De novo acordar que teve outra vida. De novo lembrar ter avistado a si por de sobre, por detrás do ombro. O sonho fugidio, sabia, já tinha sentido isso diversas vezes, nasceria e se apagaria no fim desse mesmo dia, feito flor de cacto. Sentir saudade de uma mera amnésia, não lembranças fragmentadas que nunca formavam senso. Seu trabalho, seu trabalho… o que fazia mesmo? Quem era aquela mulher ali na cama? Onde havia estado ontem? O que fazer com aquele envelope sobre a mesa? De quem era aquela foto que carregava na carteira? O que ele gostava de comer no café da manhã? Por que seu pau coçava tanto? Na cozinha, a luz do sol batia em cheio no café velho numa xícara desbeiçada, filtrada num cilindro de canela. O café ali desperdiçado desde quando? Por ele? Aquela casa era sua? Se fosse, de onde teria vindo a obsessão por holofotos de machos pelados nas paredes do armário da cozinha? Bom, se isso não o excitava, ele ainda não havia enviadado. E aquelas outras fotos de famílias olhando fixamente a câmera, espalhadas pela sala? Seriam seus parentes? Aquele cara de óculos segurando um vinil lhe impunha uma melancolia estranhamente familiar… Sintonizava pela janela a transição intermitente das nuvens entre carregadas, brancas, cúmulos, cirros, nimbos, clarões e esgares do sol negro de cada dia, furando as retinas nalguma lucidez que ele já não conseguia verbalizar – e por trás de tudo as luzes dos prédios a tornar tudo eterna noite laranja. Como se vivesse numa ação imóvel e ao um tempo incessante, seu sangue era um hamster numa roda da fortuna.
– Zed… você já acordou, meu amor?
>> Pra comemorar os 150 mil visitantes deste Impostor, um trechinho de um dos motivos de ele estar tão pouco atualizado – o Mnemomáquina [ok, ok, até 2055 eu juro que fica pronto]