– […] Esta palavra, “mal-entendido”, não lhe parece genial? Tudo teve início com um mal-entendido, num encadeamento que se perpetua infinitamente. Pode-se acrescentar uma dose de má-fé, mas não costuma ser necessário. Num caso, a mulher dá ouvidos à serpente, com as já conhecidas conseqüências desse ato; em outro, uma caravela acaba atracando em alguma costa desconhecida, onde uma gente pintada se esconde nos arbustos; em outro, ainda, um certo alguém motorizado acaba indo parar no bairro errado, e jamais voltará a ser a mesma pessoa. Sabe, o que mais me agrada na verdade é o título. Nesse sentido, a história, de fato, não tem fim. O que o senhor acha que os escritores pensam a respeito dos mal-entendidos? Será que fazem isso de propósito, para ter sobre o que escrever na próxima vez? Para ser sincera, não conheço nenhum livro cujo tema não seja, no final das contas, um mal-entendido. Hamlet, Madame Bovary, o tal Marcel, que não sabia que era amado por Gilberte, Macbeth, que acredita em Iago… se você pára para pensar… […] Será que o senhor mesmo já parou para pensar no inventor do Paraíso, um lugar onde não ocorrem mal-entendidos? O tédio incomensurável que deve reinar lá só pode ser entendido como uma punição. Para inventar algo assim, só mesmo um mau escritor…
Do maravilhoso Paraíso perdido, de Cees Nooteboom