“- Minha oferta é a mesma.
– É muito baixa – disse Quinto, embora já estivesse decidido a aceitá-la.
A cara do homem, larga e carnuda, era como feita de uma matéria demasiado informe para conservar lineamentos e expressões, e estes eram logo levados a desmanchar-se, a desmoronar, quase sorvidos não tanto pelas rugas marcadas com certa profundidade apenas nos cantos dos olhos e da boca, mas pela porosidade arenosa de toda a superfície do rosto. O nariz era curto, quase achatado, e o excessivo espaço deixado à mostra entre as narinas e o lábio superior dava ao rosto uma ênfase ora estúpida, ora brutal, conforme a boca estivesse aberta ou fechada. Os lábios eram altos em torno ao centro da boca, como aureolados de ardor, mas sumiam inteiramente nas extremidades, como se a boca se prolongasse num corte fino até a metade da face; isso lhe dava um aspecto de tubarão, reforçado pelo escasso relevo do queixo sobre a garganta larga. Porém os movimentos mais inaturais e penosos eram os que diziam respeito às sobrancelhas: ao ouvir, por exemplo, a seca resposta de Quinto ‘É muito baixa’, Caisotti fez que ia recolher as sobrancelhas claras e ralas no meio da fronte, mas só conseguiu erguer um meio centímetro de pele sobre o ápice do nariz, fixando-a numa instável ruga circunflexa e quase umbilical; repuxadas para cima por esta, as curtas sobrancelhas caninas, de caídas que eram, se tornaram quase verticais, ambas trêmulas no esforço que as mantinha tesas, propagando sua crispação para as pálpebras que se retorciam numa franja de ruguinhas minúsculas e vibrantes, como se quisessem esconder a inexistência dos cílios.”
> Felizmente não havia ainda botox na Itália de 1956 – ou não leríamos essa beleza de descrição de um empreiteiro em ascensão, o vilão de A Especulação Imobiliária, de Ítalo Calvino.