
Reflexão irracional sobre a culpa para a ótima reportagem da Tpm
Não é você, sou eu
– Você não se comportou como uma boa menina?
– Sim… juro que não fiz nada…
– Venha aqui, sua menina suja. Vou te dar uma lição!
– Não, por favor, não, não… Sim, sim, sim!
[Corta para gritos e murmúrios de prazer.]
“Você pode não saber porque está batendo, mas ela sabe bem porque está apanhando.” Esta frase de quinta e o diálogo de pornochanchada de sétima foram as primeiras coisas que vieram à cabeça quando comecei a pensar na tal da culpa feminina. Clichezaços do cafajestismo brasileiro, estilhaços de uma moralidade que, numa revista como a Tpm, parece mais ultrapassada que desculpa do Rubinho; mas lá fora, no mundo Zorra Total, mulher sempre tem culpa no cartório.
O machismo teria acabado por, para usar uma expressão cara a “especialistas”, introjetar a culpa nas damas? Teriam as moças modernas desenvolvido novas expressões do peso na consciência? Culpa seria transmissível de avó para mãe e aí para filha? Minhas tias judaico-cristãs sempre provaram que sim, sadomasoquistamente vendo um senso de responsabilidade privada em qualquer desgraça coletiva, da inflação a Auschwitz, passando pelas derrotas na Copa do Mundo de 1982. A mensalidade na escolinha da culpa é cobrado via chantagem emocional. Quando íamos visitar minha avó, ficávamos longamente dando adeus. Meu pai descia o carro e fazia o balão no fim da rua. Quando passávamos de novo em frente à casa daquela frágil senhorinha, réplica do papa João Paulo II de saias e avental sujo de ovo, grossas lágrimas pendiam de seus olhos azuis. Toda vez era isso, esse “vocês estão me abandonando” impresso na alma. Outro dia me peguei lacrimejando ao ver meu filho entrando na van que o leva para a aula. Culpa é mesmo um troço contagiante.
Para investigar a sensação de culpa de outro ponto de vista, resolvi que atrasaria de propósito a entrega deste texto. Escreveria com peso, imaginando as colegas da Tpm comendo a pizza que o Paulo Lima amassou, coitadinhas, sob as parcas luzes do fechamento na redação, todas à espera desta pensata para liberar a edição… A cada frase digitada, sentiria por trás do meu quengo os olhos de chicote da Renata Leão, a admoestar-me com críticas à minha irresponsabilidade e falta de senso de noção… (Além das rimas ruins.) Não rolou: o hábito de ser perdoado me fazia levitar os dedos no Mac. Ou este seria um prazer roubado à culpa, numa perversão tipicamente católica? Sim, pecadores só pecam para receber o perdão. Mas esse mecanismo se parece demais com aquela cena de pornô lá do começo…
Até os anos 60, os mitos de Eva e Pandora deduravam nas minas as minas de todos os males, eu conversava com minha namorada, uma bem resolvida filha de psicanalista. Ela lembrava: antes as mulheres se sentiam culpadas por simplesmente desejar algo além de suas possibilidades; lhes era vedado sonhar. Hoje, mais que liberados como necessários os desejos – uma mulher sem vontades não é uma mulher em 2009 –, a mulher sentiria culpa por não atender às expectativas nela depositadas: mãe, gata, inteligente, gente fina, bem-sucedida e tesuda. Expectativas depositadas por quem? Homens, suas amigas, Freud, Facebook? Ou ela mesma?
Talvez as mulheres tenham de se mirar em nossos políticos, que jamais sentem culpa. E quando sentem, jogam sobre um colega. Se jogar no colo do colega pegar mal, o negócio é culpar a imprensa “nazista” ou a mídia “inimiga”. Não, nada disso. Desisto: ainda prefiro encarar uma moça transtornada com o Lancôme derretido da angústia a uma dama serena maquiada em óleo de peroba. Se vocês deixarem de se sentir culpadas, que faremos com nossa submissa e covarde vocação para o consolo?
A culpa é do escritor, que fez um texto belo, mas machista…
ai, Bressane, só você… aquele primeiro parágrafo makes me wonder…
beijo
tt
Trampo tá indo de vento em popa, hein Bressane. Tem até matéria de capa na Vida Simples. Muito boa essa edição por sinal.
A culpa foi do diabinho verde que apareceu lá nos cafundós do judas.