Romantismo digital ou putaria manual? No meio da oferta indiscriminada de amores expressos, prazeres excusos e uma boa foda a um toque no mouse, o amor romântico ainda existe? EleEla ouviu oito artistas para entender os descaminhos do coração – e dos hormônios – nos tempos em que fuçar no Orkut de um (a) pretendente pode ser, mais que uma rima, uma solução
O romantismo está fora de moda. As pessoas têm medo de se mostrarem românticas e não têm mais tempo para densas histórias de amor. Em tempos de celular, MSN, Orkut, Facebook, e-mail, Flickr e Twitter, os relacionamentos precisam mesmo ser superficiais. A tecnologia matou o mistério – e ainda bem. O mundo não comporta espaço para Romeu e Julieta: o casal da vez agora é Putão & Piriguete. Tudo bem que muita gente sinta falta de enlouquecer de verdade, de se entregar, de se jogar de cabeça. Há até quem diga que os jovens estejam com medo de se apaixonar. É assim mesmo – afinal, não é possível amar ao mesmo tempo em que se cresce na vida. O melhor negócio em 2009 é ser pragmático: clicar em um link – e, por via das dúvidas, já deixar uma ou mais janelinhas abertas. Nunca se sabe…
Se você concorda com o diagnóstico do mundo real acima, provavelmente até já deve ter clicado em outro assunto virtual mais quente. Se ficou incomodado com essas verdades absolutas que andam na boca do povo, certamente vai se demorar um pouco na leitura. Atrás do graal do novo romantismo, EleEla elegeu algumas personalidades bastante singulares para darem seu pitaco. Artistas e pensadores, claro. Quem senão eles, os interlocutores favoritos das musas, afeitos aos mistérios do coração (e de hormônios e neurônios), para falar de amor – se é que amor ainda existe?
Comecemos pelos descaradamente românticos. Gente safa tanto nos atalhos selvagens da vida bandida quanto nos caminhos retos do amor-môzinho. Como o cantor e compositor pernambucano Junio Barreto, que, do alto dos 45 anos de meigas safardinagens, ainda não desistiu de encontrar sua outra metade da pitomba. Na marola há um ano, atrás de um amor que dure mais que quatro anos, para bater seu recorde, Junio sente falta de dançar coladinho. “Sinto falta do platônico amor pelas moças do calendário, das mulheres da iniciação, de ouvir a Hora do Rei no rádio, de sentir o friozinho no encontro com a namorada, de escrever nos cadernos, no chão, na caixa d’água, um grande EU TE AMO”, se joga.
Hoje, arrodeado de sexo vazio, Junio diz que sua cama está cheia de “cheiros de nada”. Sexo virtual não colou para o autor de “Se vê que vai cair, deita de vez”. “Faço sexo com a tela do computador mas choro pelo passado. Quero um amor, não uma profissional. Sou romântico… por isso sofro”, confessa.
Autora de vários textos que deram origem ao longa-metragem Nome próprio, Clara Averbuck, 30, também não economiza no sangue derramado no altar das perdidas ilusões. Sofre aqui, lá e acolá, e não está nem aí. “Ovídio, em A arte de amar, disse que a intimidade mata o romance, que nunca a amante deve fazer o que quer que ela faça para parecer divina, na frente do objeto de seu desejo. Isso me parece funcionar apenas para os amantes fugazes”, afirma a gaúcha. Não faz questão nenhuma de esconder seus desatinos em público – nem se faz de rogada de encarnar a mulherzinha, em private.
Em um ‘relacionamento enrolado’, conforme descreve em seu perfil no Facebook [update fev/10: está casada], a autora de Máquina de pinball prefere, aos prazeres fast-food, o carinho, a fidelidade, “a cumplicidade de ver seriados bestas juntos. Quando chega a intimidade e você aparece com uma máscara de lama vulcânica na frente do ser amado, ele pode no máximo rir e fazer a lama rachar, se já estiver seca. Eu enlouqueço e acredito em devoção. Quero alguém pra segurar a mão quando estiver morrendo ou segurar a mão dele, e que ele não dure uma semana sem mim. E é claro que só me fodo por isso!”, diz ela, pra quem oito ou oitenta é sempre pouco demais.
Um tanto mais novo, mas nem por isso menos rodado, o cantor e compositor paranaense Helio Flanders, 24, líder da banda Vanguart, lembra: amar dá trabalho. Pode ser perigoso. E envolve riscos. É até mais caro. “Você vai levar a moça pra comer num lugar bacana, não nos botecos do centro. Precisará dar um trato no apê, fazer o bigode e dar adeus à agenda de contatos para encontros íntimos”, lamenta. Quando os sininhos bimbalham, porém, é como voltar a viver.
Nada mais rock’n’roll que ficar apaixonado: “Hoje a grande aventura é a espera dessa paixão. Que não tem nada de dolorosa: sem ela, não poderíamos viver a vida mundana, o rock e a liberdade de estar só. Quando essa paixão vem e estamos crescidos, todo esse amadurecimento vai por água abaixo… se for mesmo uma daquelas, já sabe: dói de um jeito que não se esquece jamais”, adverte o solteirinho.
Amar se aprende amando
Há quem mal se recorde de como era namorar, amar, se apaixonar ou meramente ficar na pré-história da internet. Como o cantor e compositor paulista Tatá Aeroplano, 33, vocalista das bandas Jumbo Elektro e Cérebro Eletrônico. “Fiz um exercício de memória aqui pra lembrar como eram meus relacionamentos quando não havia celular nem internet: os casais se comunicavam com menos intensidade, existia a expectativa gostosa do próximo encontro, uma necessidade bem menor de comunicação… que acontecia muitas vezes por carta, imagina!”
Compositor do apaixonado hit “Dê”, Tatá reflete que as tecnologias fermentaram uma nova revolução sexual. O excesso de comunicação deixou todos sem chão e rolou uma confusão geral – o resultado foi que muita gente se machucou. “Claro, me coloco nessa lista. No início, o romantismo foi sacudido por outras formas de relacionamentos fugazes. Troca de MSN ou SMS na madrugada é um perigo! Mas agora começamos a entender esse novo mundo, o romantismo reage. Não tem coisa melhor que se apaixonar do dia pra noite e cultivar a paixão com moderação: cabeça nas nuvens e pé no chão”, tempera.
O escritor, historiador e estudioso de novas tecnologias André Caramuru Aubert, 47, também não crê que a tecnologia matou o romantismo. “A tecnologia matou algumas ocupações mas criou outras. Matou uma forma de comunicação que chegou a gênero literário (correspondência), mas criou formas das pessoas se comunicarem à distância a custo zero (e-mail, MSN, Skype, Facebook)”, analisa, antes de refletir: mas afinal, de que romantismo estamos falando?
“Daquele dos anos 20 e 30, em que namorados não ficavam a sós e os casamentos eram arranjados? De 40 e 50, em que as mulheres casavam virgens e os homens tinham vida dupla? De 60 e 70, da liberação sexual em que todo mundo transava com todo mundo? Ou dos anos pré-aids, da sacanagem institucionalizada, dos clubes de swing, das saunas gay? Putão e Piriguete são só a forma virtual de algo que já ocorria no mundo real. Se hoje tem sacanagem, não quer dizer que não há espaço para a paixão, o romantismo e o amor. Trai-se hoje como se traía antes – e ama-se hoje como antes. Conheço vários casais apaixonados. Eu mesmo sou um exemplo!”, completa o historiador, casado há 19 anos.
No entanto, se entregar e viver integralmente um grande amor não é mole não. Manter a concentração num só alvo é tarefa para bravos, no meio dessa selva de prazeres ganindo pela a atenção como cadelas no cio (ok, a metáfora é meio brega, mas amar, além de importante, porra, só é amor se é brega mesmo). E tem também quem use essa concentração de um jeito fake – só pra parecer acima dos comuns e solitários mortais e sair bonitão na Caras. É o raciocínio de Thalma de Freitas, 33, atriz, cantora e modelo, namorando firme há uns seis meses [update fev/10: solteirou]. Ela acredita que o romantismo está fora de foco: as pessoas parecem usar o romance como auto-afirmação social – “une os solitários só pra disfarçar a angústia”, diz.
“A tecnologia mantém relacionamentos em duas dimensões, adiando o encontro além das palavras. Quem ainda não percebeu que o ser humano só se multiplica qualitativamente a dois desperdiça ótimas chances de amadurecimento emocional e prazer sublime. Aprendi que amar é dedicar-se ao afeto, apesar de conhecer o outro muito bem, e deixar-se tocar, a despeito de todas as neuroses e ansiedades e inseguranças que um peito aberto fomenta. Amar é sim uma arte, portanto alcança-se a maestria cultivando o hábito. Melhor dizendo: só é possível crescer na vida amando”, ensina a musa.
Ninguém morre de amor
Nem sempre é preciso ser desbragadamente romântico para amar, porém. Uma celibatária doce e radical, a jornalista carioca Nina Lemos, 37, acha que muita gente esconde a angústia essencial da existência atrás dos cotovelos doloridos. “Como eu, vários amigos pregam o fim do amor romântico. É quase uma campanha política! Acho bacana se apaixonar e ter atos de cuidado e fofura. Mas se a gente entrar numas de acreditar nesse amor romântico estilo Roberto Carlos… vai se ferrar! ‘Você foi o maior dos meus planos/ De todos os abraços o que eu nunca esqueci’ é masoquismo!”, irrita-se.
Para Nina, ninguém morre de amor. “Você fica mal umas semanas e passa… Acredito em relacionamentos que passam pela amizade e pelo companheirismo. Romantismo sempre acaba com você achando que alguém vai te salvar, te curar… Morro de preguiça de gente que fica caindo pela rua sofrendo por amor, escrevendo sobre isso. Príncipe encantado não existe!”, detona a autora de A ditadura da moda.
Entre pragmatismos, descontroles, loucuras e pilantragens, tem quem defenda na caruda o simples e leve ato de se deixar levar numa tranqüila, numa relax, numa boa. Sem esquentar a cabeça, deixando a carne sempre à flor da pele. Como o jovem e namoradeiro poeta e cantor carioca Omar Salomão. “Se apaixonar é delicioso. As pessoas se preocupam demais. Muita pose, medo. Google, Orkut. Tudo muito na imagem. Superficial. Cadê o gosto pela carne? Pela entrega? Parece um jogo constante de marionetes, luz e sombra. Gostoso é se entregar sem querer saber o que os outros estão pensando, qual seu status no Facebook. A vida é pra ser vivida, pra gozar, pra sentir dor. Por que tanto medo de se arriscar? A vida acontece agora. Com prazer, tesão. Com pudor não se faz nada. Sem medo do rídiculo: rídiculo é ter medo. Viva vários amores. Viva o hoje!”, convida.
E o (a) leitor (a) que me dê licença – meu celular está tocando e a imagem da moça que surgiu na telinha me deu um negócio esquisito aqui. Acho que é… isso. Isso: amor ou putaria, nomear as coisas que não têm nome fica pro bem-bom do depois. Agora é fazer o que tem de ser feito.