Comecemos 2009 devagar, cercando o inimigo… com uma das leituras da praia, o astuto Entre nós, seleta de entrevistas, perfis e artigos de Philip Roth:
“Numa cultura como a minha, em que nada é censurado mas em que os meios de comunicação de massa nos inundam de falsificações idiotas da existência humana, a literatura séria também é responsável pela preservação da vida, ainda que a sociedade praticamente não lhe dê atenção” [Philip Roth]
“Um romance é uma extensão longa de prosa sintética fundada no jogo de personagens inventadas” [Milan Kundera]
“Há frases no livro cuja efervescência, cuja subcorrente de leveza nos dá a sensação de que há mil coisas acontecendo, um emaranhado de prosa teatral, exibicionista, ardente, que deixa entrar o dinamismo da vida sem excluir o cerebralismo. Esta voz que não encontra mais resistência é permeada pela mente, enquanto se mantém conectada aos mistérios do sentimento. É uma voz ao mesmo tempo desenfreada e inteligente, correndo a todo vapor e no entanto sempre arguta o bastante para avaliar as coisas de modo sensato” [Roth sobre Augie March, de Saul Bellow – não sei por quê, me pareceu que ele fala dele mesmo]
“A burrice das pessoas vem de elas terem uma resposta para tudo. A sabedoria do romance vem de ele ter uma pergunta para tudo. Quando Dom Quixote saiu pelo mundo afora, esse mundo se transformou num mistério diante dos seus olhos. É esse o legado que o primeiro romance europeu deixou para toda a história subseqüente do romance. O romancista ensina o leitor a compreender o mundo como uma pergunta. Nessa atitude há sabedoria e tolerância. Num mundo baseado em certezas sacrossantas, o romance morre. O mundo totalitário – seja ele baseado em Marx, no Islã ou em qualquer outra coisa – é um mundo de respostas e não de perguntas” [Kundera]
“Eu tinha uma vontade imensa de compreender, era dominado a todo instante por uma curiosidade que depois foi considerada nada menos do que cínica por alguém: a curiosidade do naturalista que se vê lançado num ambiente monstruoso porém novo, monstruosamente novo” [Primo Levi sobre seu É isto um homem?]
“A experiência dos judeus na Segunda Guerra não foi ‘histórica’. Nós entramos em contato com forças míticas arcaicas, uma expécie de subconsciente obscuro cujo significado não conhecíamos, como aliás ainda não conhecemos. Esse mundo parece racional (com trens, horários de partida, estações e maquinistas), mas na verdade eram viagens da imaginação, mentiras e trapaças, que só poderiam tetr sido inventadas por impulsos irracionais profundos. Eu não conseguia e ainda não consigo compreender os motivos dos assassinos” [Aharon Appelfeld]
“Não acho que desperdicei meu tempo dirigindo uma fábrica. Minha militanza na fábrica – o serviço compulsório e honrado que prestei lá – me manteve em contato com o mundo das coisas reais” [Primo Levi]
“Escrever as coisas tal como aconteceram é tornar-se escravo de sua própria memória, que é apenas um elemento menor do processo criativo. A meu ver, criar significa ordenar, classificar e escolher as palavras e o ritmo que servem à obra. Os materiais são de fato extraídos da vida do autor, mas em última análise a criação é uma criação é uma criatura independente […] Retiro a minha vida das ‘garras da memória’ e entrego-a ao laboratório criativo. Lá, a memória não é a única proprietária: é preciso haver explicações causais, um fio que amarre todos os elementos. O excepcional só é permitido se fizer parte de uma estrutura maior e contribuir para sua compreensão” [Appelfeld]
“Quando morre uma pessoa que é próxima a você, nas primeiras semanas depois da morte essa pessoa fica tão distante de você quanto é possível se estar; é só com o passar dos anos que ela se torna mais próxima, e aí chega um momento em que você está quase vivendo com ela” [Isaac Bashevis Singer]
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Ainda Roth: demais essa resenha em HQ do seu Indignation, que sai por aqui ainda nesse semestre.
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E ah, mudando de assunto, mas antes que alguém pergunte: nesse blog ainda se freqüenta a biblioteca, se usam idéias próprias e se come lingüiça…
melhor livro que li no fim de 2008, junto com as nuvens, do saer.
‘As nuvens’ foi o meu favorito, e terminei no finzinho do ano… aquele pôr do sol no final é arrebatador…
eu quase pude enxergar as três acácias à minha frente. fodaço.
você salva minha vida. mto bom isso.