No caderno Link do Estadão desta semana, há uma matéria do Filipe Serrano sobre propaganda em celulares que me deixou intrigado. Ele entrevistou Laura Marriott, presidente da Mobile Marketing Association, organização sobre propaganda no celular que reúne anunciantes, operadores e agências de publicidade em todo o mundo e acaba de se estabeler no Brasil.
Ao lado de pedidos por mais etiqueta na condução do negócio – como sugerir que os consumidores é que têm de pedir para receber propaganda, e não ao contrário, conforme rola no Brasil [tem coisa mais irritante do que esperar por aquela SMS e receber uma info da operadora sobre sua conta?] -, Laura insinua que a propaganda pelo celular pode ser mais criativa e defende o poder do veículo justamente por conta de sua interação com coisas como outdoors, anúncios em jornais, TV etc.
“Com o celular, você revitaliza os meios mortos, passivos”, ela diz. E aí é que vem o espanto, quando Filipe pergunta “Por que alguém pararia o que está fazendo para mandar um código por SMS? [para responder a uma promoção num anúncio de revista, por exemplo], e Lady Laura manda: “Fala-se muito no ‘tempo morto’ das pessoas durante o dia, por exemplo, esperando o ônibus, o avião, dentro do táxi etc. Campanhas que utilizam esses momentos são as melhores porque todo mundo precisa de um passatempo nessas horas.”
Depois que li isso, virei a página do jornal e matei um tempo olhando pela janela o vôo de um urubu, em círculos cada vez maiores em torno do horrendo Instituto Tomie Ohtake, até que desapareceu centenas de metros acima, sem ao menos bater uma só vez as asas, por trás das nuvens cor de grafite. Esse tempo que é só meu – este que flutua enquanto observo o traçado das formigas no meio-fio e amarro o cadarço do meu tênis – caiu no olho gordo da propaganda. O urubu subia e eu lembrava dos tempos mortos do Antonioni [aqueles amplos espaços de silêncio em que nada e tudo acontece como no fim de Profissão: repórter] que no futuro serão todos devidamente povoados por demandas ao consumo de ringtones ou games grátis para o meu device.
A moça com as pernas abertas, durante os dois segundos que se pergunta por que raios o namorado demora tanto pra gozar, olha pela janela e vê, radiosa, uma frase que lhe insinua como lavar mais branco a próxima calcinha que irá deixar cair. Na academia, enquanto retoma o fôlego entre um exercício e outro, o sexagenário fulano medita que talvez ficasse mais sexy se comprasse aquele carro sugerido na tela de plasma e, no ato, enxuga o suor e saca seu celu pra mandar uma mensagem respondendo a uma determinada promoção. O garoto que espera a van para ir à escola troca uma conversa inútil sobre futebol por um lance de polegar num sorteio de alguma gincana por telefone.
Virei tiozinho, é certo, e como tal, passo cada vez mais tempo perdendo tempo com o vôo dos urubus e o caminho das formigas. No meu tempo se gastava mais tempo com tempo morto. No tempo que virá, como em Minority Report, de K Dick, teremos de andar na rua com um facão, cortando as nuvens de informação e ofertas de consumo [hordas de hologramas alados invadirão nossas casas pelas torneiras, por debaixo das portas, pelas frestas das janelas; mas vi outro dia em algum lugar – um blog, um avião, na roupa de uma garota, no fundo do copo naquele último drinque? – um aerosol anti-info, um ad-repelente que funciona que é uma beleza: preciso disso].
O meu tempo morto é meu, Lady Laura, e se eu quiser passar uma cantada via SMS, fique sabendo que não vai ser para a senhora. E caso eu tome um fora, esse fora também vai ser só meu. Vou guardá-lo lá dentro dessa carcaça velha, junto dos urubus, das formigas e dos outros tempos mortos que tanto amo.
Nenhum pensamento