David Lynch é grande porque devolve ao cinema sua condição única: seus filmes não podem ser interpretados a não ser por eles mesmos. Além, é claro, de ele abusar do que imagino condição essencial para um cinema audacioso: produzir o máximo de imagens que jamais antes foram vistas [ou você já tinha assistido a uma sitcom beckettiana envolvendo uma família de coelhos?].
Não adianta transpor a plataforma de imagens de Inland Empire [Império dos sonhos, o título nacional, é muito óbvio] para uma plataforma de palavras [se preferir saber objetivamente do que se trata o filme, régis, tem uma excelente resenha aqui]. Cada filme de Lynch é um statement sobre a impossibilidade de usar uma tabela de conversão de medidas entre realidade, ficção e representação.
Daí que Inland Empire não admite interpretação simbólica. Suas imagens terríveis não são metáfora de nada que não sejam elas próprias. As características rimas visuais e narrativas duplas de Lynch sugerem espelhos para novas rimas e narrativas, nunca para uma justificativa ou explicação.
Me lembrei do que disse o escritor inglês J.G. Ballard sobre o papel do artista: devolver sentido a esse mundo confuso. Quem for atrás de sentido em Lynch vai se dar mal – ele não está interessado em explicar, muito menos em entender [“Acho que isso somente não passa de mais uma terrível coincidência“, dizia um confuso detetive em Estrada perdida].
Os símbolos de Lynch não significam; sua obsessão pela metalinguagem [como em Mulholland Drive] não é fetiche – é um modo de dizer que o mundo se converteu em uma narrativa mecanizada pelo espetáculo. Somos mediados pela representação e perdemos o contato com o inexplicável. Não sonhamos mais; a TV e Hollywood cumprem em nosso lugar este papel.
Tudo bem que demora para a gente sacar isso – durante as talvez excessivas 3 horas de filme, em alguns momentos a narrativa dá uma encaroçada – mas o final estranhamente feliz, ao som de Nina Simone, é redentor. Enquanto as garotas dançam, os créditos sobem e as luzes do cinema se acendem, Lynch nos pisca o olho, apenas interessado em devolver ao mundo o império do mistério.
Grande Bressane!
Eu imaginava que nao estaria aqui o texto. Mas, como eu disse, nao dah pra cair um time que tem um zagueiro de nome betao e que comemora um gol chorando (e nao eh final de campeonato). Foi uma comemoracao historica, daquelas de fazer filho virar corinthiano… Lorenzo viu?
abs!
ps: natasha kinski no final eh de atear fogo as vestes