: anotações para o passeio de Zed Stein pela Cidade-Olho
Zed Stein tinha ficado viciado em barras de cereal. Enlouquecido por uma síndrome de abstinência, encontrou-se comendo uma geladeira de isopor. Era a manhã alaranjada da Cidade-Olho, seis da manhã, e Zed não conseguia se lembrar, enquanto mordia o isopor gelado de um sujeito que há dois minutos vendia brezas heladas e agora o olhava todo heladago, todo tremendo, quando é que tinha colocado sua roupa preta. Depois de um tempo, você começa a esquecer as coisas, pensava Zed. Como água que ferve numa chaleira suja: o que sobra, o que não transbordou ou não evaporou – isso é você. A memória caleja na sujeira. Feito um urubu.
Caleja na sujeira e dói, formulou. Mas ele não sentia nada doendo nele. A fome tinha passado. A barca vermelha de Baby Gasoline estava estacionada numa doca dos Jardins. Zed limpou a boca e lhe atravessou a face interna da memória um rosto de mulher.
Sob a camisa preta, a medalha de São Lázaro. Passou a mão por sobre, sentiu a mesma esquisita vibração. Entrou na barca, sentou-se ao volante. A cidade assomava gigantesca. Só me resta abri-la ao meio com meu deserto, pensou Zed. Mas que porra, por que essa mania de solenizar as coisas? Estoy perdido, caray. Este corpo lhe pertencia? Pertenceu algum dia, poderia se mistificar na morbidez de um nascimento exato, como faziam seus antepassados, se é que eles existiram? Quantas vezes teria renascido, quantas vezes teria passado pela crucificação e anunciação nas mesas de cirurgia por onde perambulou, como extrair de seu sudário um RG? O rio de gelatina oleosa e verde abriu-se à sua frente e ele acelerou.
“Tão linda suspensa no convés
Seus pés minhas mãos recriam os caminhos
Espiar um ao outro com a íris da língua navegando sobre as sirenes da cidade-olho”
E ainda é muito estranha esta cidade-olho para mim.
Já leu o meu Penados y Rebeldes versão final?
http://penadosyrebeldes.blogspot.com