Cabecismos

100 milhões de DVDs. Segundo o neurocientista Henry Markram, é isso que tem no HD médio de um ser humano. E é mais ou menos essa dvdteca que ele está tentando construir, diz ele, até 2015 – quando o Blue Brain Project terá realizado o primeiro simulador do córtex humano. Markram diz que já tem a tecnologia para fazer o pseudocérebro agora – só que apenas para eletrificar a parada seriam necessários US$ 3,5 bilhões de dólares por ano. Mesmo powered by IBM, o projeto capitaneado por Markram – uma das estrelas do II Simpósio do NatalNeuro, sendo realizado neste fim-de-semana em Natal, liderado por Miguel Nicolelis e Sidarta Ribeiro – engatinha.

Ou melhor, enratinha: para 2008, será possível simular partes do cérebro de um camundongo, e, em 2011, de um gato. Mas para que recriar um cérebro humano, com tantos dando [e fazendo] sopa por aí? Segundo Markram, não se tem exatamente muita certeza sobre o funcionamento da maior parte das doenças cerebrais [Parkinson, Alzheimer, esquizofrenia, bipolaridade etc etc] – opinião que me foi corroborada pelo antropólogo Hermano Vianna, que também está por aqui assistindo às palestras dos neurocientistas. Se sabe muito sobre determinados trechos – mas ainda não há uma visão total do cérebro. Assim é que Markram pretende emular um cérebro para poder usá-lo como cobaia.

É o mesmo princípio defendido pelo japonês Gordon Cheng, da ATR, para produzir um robô humanóide: recriar o funcionamento do sistema nervoso para entender por que ele não funciona. Mas é claro que Cheng não deseja apenas ver o uso médico para seus brinquedos: imagina, dentro de 10 anos, que os robôs da ATR ganhem funções domésticas – em suma, que se tornem os escravos pau-pra-toda-ohra imaginados por Asimov. Afinal, à pergunta “Por que fazer robôs?”, ele meramente me respondeu: “Why not?“.

Essas e outras notícias desse simpósio, que rola no hotel Sehrs, soam muito estranhas. Enquanto digito, na janela em frente vejo uma garota voar de parapente por sobre o Atlântico; às minhas costas, no acostamento da Via Costeira, ligação da velha Natal com a Ponta Negra, espécie de Barra da Tijuca local, garotos de 5 anos vendem caranguejos [à noite, garotas não muito mais velhas venderão outras coisas]. Nesse resort, permanentemente sob ar-condicionado pesado, gringos de classe média e endinheirados sudestinos passeiam pra lá e pra cá em desestilosas sungas e maiôs, alheios às revoluções anunciadas pelos neurocientistas no salão ao lado da vasta piscina, assistidos por cerca de 700 pessoas – a grande maioria, estudantes de 20 e poucos anos.

Talvez as coisas comecem a mudar por aqui tão logo o recém-inaugurado NatalNeuro estiver em força total – o que, a julgar pelo entusiasmo de Miguel e Sidarta [powered by Lily Safra, que doou uma quantidade não-revelada de milhões ao instituto], não levará muito tempo. Quanto a mim, ainda trocando de fuso horário depois de vir do carnaval pernambucano direto pra essa micarônio, vou ali pegar uma caipeereenha: daqui a pouco Alan Rudolph, da Adlyfe, fala sobre the use of conformationally sensitive peptides in the earlier detection of amyloid proteins in neurodegenerative amyloid diseases. Nem é tão cabecismo assim – Rudolph pesquisa, entre outras coisas, como funciona a doença da vaca louca

Autor: rbressane

Writer, journalist, editor

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