De volta à USP

Estudei na USP de 1992 a 1997. Foi uma das melhores e também piores épocas da minha vida. Das melhores porque, como não tinha a menor vontade de me diplomar em Letras [só me formei em Propaganda para ter acesso ao terceiro grau e assim garantir uma cela especial em caso de a casa cair], fui lá realmente para estudar. As festas eram péssimas [as melhores sempre eram da História, com suas meninas soltinhas, e da Química, não preciso explicar por quê], as garotas estavam, digamos, mais para Nélida Piñon que para Lygia Fagundes Telles, e os colegas, na média, eram nerds, malas, burocratas e depressivos crônicos. Fiz poucos e raros amigos; lia praticamente uns cinco livros por semana [na época pegava tipo NOVE conduções por dia, believe it].

Mas os nove busos não eram a pior parte. O que pegava era a ausência total de debate sobre a literatura contemporânea. Aliás, nem contemporânea – moderna, que fosse. O único professor interessado em escritores vivos era o Ariovaldo Vidal, que publicou a primeira obra crítica sobre Rubem Fonseca [vá lá, nascido em 1925…]. Assisti a ótimos cursos, como os de literatura brasileira com o grande João Adolfo Hansen, os excelentes Davi Arrigucci, Alfredo Bosi, Luís Tatit, Valentim Facioli, Zé Miguel Wisnik [na época eu não sabia que ele era adicto de polichinelos], o Ariovaldo, a genial Angélica Chiappetta… dos malas, não me lembro: se a aula não me interessasse, não via; só ia lá pra me divertir [na época eu não tinha grana pra TV a cabo].

Mas, apesar das aulas magnas, me incomodava que ninguém estivesse nem aí para o que era produzido exatamente naquela época [Marçal e Bonassi já estavam em plena atividade, isso pra não falar do povo que havia começado um tempo antes, como Glauco Mattoso, João Gilberto Noll, Valêncio Xavier, Luiz Vilela, Manoel Carlos Karam, Sérgio Sant’Anna etc etc]. Era espantosa a falta de interesse – e de conhecimento – dos professores, e, muito pior, dos colegas. Como se literatura fosse assunto apenas para médicos legistas. Passados cinco anos, saquei que não queria entrar pelo cânone. Ganhei um prêmio com um roteiro de cinema no Nascente, que me deu a chance de publicar por uma editora da universidade meu primeiro livro, e caí fora.

Eis que retorno. Como cadáver para os legistas. Além do trabalho inovador do Quadrado sobre a prosa do Joca e seus colegas de Mercearia, digo, de literatura, tem um semiótico maluco, o Antonio Vicente Pietroforte, estudando meus textos. Ele criou um curso de literatura brasileira contemporânea, que começa a ser ministrado em março. Estou em boa companhia – meu colega de classe é, de novo, o careca terronista. Na real, não sei mesmo se é bom ou é ruim ser, hum, “aceito” pela academia. Hoje, percebo que a irritação com a ignorância da universidade só reforçou minha sede em relação aos contemporâneos – se eu os tivesse conhecido lá, iria mesmo preferir lê-los em lugar de escarafunchar Cabral, Machado, Rosa, Vieira, Clarice? O bom de entrar no ventre da baleia é ser depois cuspido por ela.

Segue aí o programa. Pensando bem, talvez para estudantes de Letras não seja tão interessante o curso do Pietroforte. Mas para resenhistas, críticos e jornalistas…

Curso de pós-graduação a respeito da Literatura Brasileira na virada do século XX para o XXI. Ministrado na Letras-USP, a partir de março, todas as terças feiras, das 14h às 17h, no prédio de Letras, da FFLCH-USP. Semiótica aplicada ao estudo da literatura / uma abordagem semiótica da literatura brasileira na virada do século XX para o século XXI. Conteúdo:

1ª aula:
A concepção esquerdista de análise literária;
Estudo do texto “Lírica e sociedade”, de Teodoro Adorno.

2ª aula
A análise do discurso;
Estudo do texto “Lírica e lugar comum”, de Francisco Achcar.

3ª aula
Semiótica e literatura;
Estudo dos textos “A sistemática das isotopias”, de François Rastier; “As palavras sob as palavras”, de Ferdinand de Saussure; “O engenho de Cláudio”, de Edward Lopes.

4ª aula
Os regimes de interação social;
Estudo dos textos “Êtes-vous arpenteur ou somnambule? L’elaboration d’une typologie comportementale des voyager du mêtro” e “Diário de um bebedor de cerveja”, de Jean-Marie Floch;
Por um modelo de sistematização da dicção dos poetas contemporâneos.

5ª aula
O poeta pregador;
Estudo do poema “Uivo”, de Allen Guinsberg;
Estudo dos poemas de Roberto Piva;
Estudo do romance “Sexo do crepúsculo”, de Jorge Mautner.

6ª aula
O poeta lingüista;
Estudo do poema “Um lance de dados jamais abolirá o acaso”;
Estudo da poesia de E E Cummings;
A poesia concreta;
Semiótica e literatura de acordo com Décio Pignatari.

7ª aula
A poesia de Arnaldo Antunes
A poesia de Delmo Montenegro

8ª aula
O poeta conversador;
As literaturas engajadas;
A literatura negra e a poesia de Cuti;
A literatura de esquerda e a poesia de Ferreira Gullar;
A literatura homoerótica e poesia de Horácio Costa.

9ª aula
O poeta arquiteto;
A poesia de João Cabral de Melo Neto;
A poesia de Carlos Drummond de Andrade;
A poesia de Glauco Mattoso.

10ª aula
A poesia de Frederico Barbosa e Ademir Assunção;
A poesia de Alice Ruiz;
A poesia de Virna Teixeira;
A poesia de Fabiano Calixto;
A poesia de Cláudio Daniel.

11ª aula
O neo-barroco;
A antologia “Jardim de camaleões”, de Cláudio Daniel.

12ª aula
Estudo do texto “Tués dans l’oeuf / lês enjeux sémiotique des différentes philosophie de pub”;
Por uma sistematização da prosa em torno das funções referencial e construtiva da linguagem.

13ª aula
A prosa e a poesia de Joca Terron;
A prosa de Ronaldo Bressane.

14ª aula
A prosa de Marcelino Freire;
A poesia Maloqueirista de São Paulo;
Ferréz e o Capão Redondo.

15ª aula
Chacal e a poesia do Rio de Janeiro;
As revistas Estação Recife e Invenção Recife.

Autor: rbressane

Writer, journalist, editor

3 pensamentos

  1. Hum… interessante. Bem, já se passaram dois anos. E aí? Mudou suas impressões sobre a Letras-USP? Fui aluna tb (1994-1998) e tb percebi, tardiamente, que a Letras-USP daquela época só se importava com os cânones. Quando vc sai de lá (hj estudo na UFRJ), percebe que seus alguns cânones estão sendo criticados em outras searas e pasma ao saber que hj a Letras-USP “acordou pra vida”.
    Estava em busca de algo “lível” na Internet sobre Rubem Fonseca. Deparei-me com seu blog; gostei da postagem. Espero que a Letras-USP de hoje tenha te contentado mais. Abraços!

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