Mais um conto em uma antologia italiana. Daqui a pouco dá pra publicar um livro lá… O conto traduzido dessa vez é “O cemitério aéreo”, do Céu de Lúcifer. Abaixo, segue a matéria que o Prosa & Verso d’O Globo fez sobre O Brasil na estrada, antologia de autores brasileiros traduzidos por Silvia Marianecci, que fala com a Rachel Bertol:
Antologia de brasileiros na Itália é aposta contra o preconceito
A italiana Silva Marianecci é tradutora e organizou, para a editora italiana Azimut, a coletânea de contos brasileiros contemporâneos Il Brasile per le strade (“O Brasil pelas ruas”), com 19 autores, recém-lançada. Nesta entrevista, fala da dificuldade de apresentar novidades das letras brasileiras na Europa e o desafio, que o livro representa, de romper clichês e preconceitos que prejudicam a leitura mais aprofundada da realidade brasileira.
Como é o trabalho da Azimut? Por que publicar uma antologia de autores brasileiros contemporâneos na Itália? SILVIA MARIANECCI Azimut é uma editora fundada em 2005 dentro do vasto panorama editorial italiano, com o objetivo de pesquisar títulos e autores desconhecidos, ou propor títulos e autores não mais publicados, sobretudo de áreas geográficas pouco visitadas pelo mercado editorial italiano. O meu encontro com Guido Farneti, o seu fundador, deu-se pouco antes do ingresso da editora no mercado e desde o princípio entramos em sintonia para perseguir objetivos comuns. Juntos, procuramos dar espaço a escritores importantes que no nosso país sofriam em função do desconhecimento quase total por parte do público, como Machado de Assis e Lima Barreto — do qual organizei uma seleção dos diários pessoais que foi lançada com o título Il cimitero dei vivi (O cemitério dos vivos), chamando a atenção para a obra que o escritor deixou incompleta —, e depois nos voltamos para a contemporaneidade.
Fale-me um pouco de você mesma: qual a razão de divulgar a literatura brasileira na Europa? A ideia da antologia nasce do desejo de preencher as lacunas de uma visão preconceituosa e limitada do que é a cultura do Brasil, em todos os seus aspectos. Queria realizar uma pequena coleção de obras que representasse em alguma medida, ainda que não exaustivamente, a fermentação cultural deste imenso país, oferecendo ao conceito de literatura brasileira do leitor italiano um horizonte novo. Acompanho muitos escritores brasileiros, especialmente os jovens, e não conseguir convencer as editoras italianas do seu valor para que sejam publicados no nosso país, frequentemente é para mim um motivo de grande frustração. Infelizmente o que chega à Itália é na maior parte dos casos o que no Brasil possui uma divulgação mais comercial, enquanto existe toda uma realidade de escritores, de poetas, de contistas, que constituem o verdadeiro humus cultural do país e com frequência são pouco conhecidos pela grande mídia e por isso parecem pouco atraentes para a Europa.
As editoras vão à caça do autor famoso, e a tarefa árdua para nós tradutores que conhecemos melhor a realidade local é tentar romper certos esquemas preconceituosos e subverter os tantos estereótipos que o mercantilismo editorial europeu forja. Partindo desse pressuposto, Azimut me deu a possibilidade de organizar a antologia em todos os seus aspectos, da seleção dos autores à escolha das obras, até a tradução. Os meios econômicos para uma editora tão jovem são muito limitados, mas apesar disso consegui envolver muitos escritores que jamais teria imaginado e todos mostraram-se imediatamente disponíveis a participar do nosso projeto.
Que autores, finalmente, integram a antologia, e qual os contos escolhidos? A minha ideia para a antologia era a de fazer uma viagem que fosse ao mesmo tempo geográfica e literária. Tentei o máximo possível manter esse objetivo, mas foi muito difícil encontrar autores que vivam em zonas geográficas periféricas em relação aos grandes centros culturais do seu país. Mas acredito que os dezenove contos selecionados espelhem de todo modo os meus objetivos. A lista dos autores é a seguinte é composta por Miguel Sanches Neto, Altair Martins, André Sant’Anna, Amilcar Neves, Milton Hatoum, Michel Laub, Veronica Stigger, Ferrez, Ronaldo Bressane, Luiz Ruffato, Ana Maria Gonçalves, Dalton Trevisan, Pedro Maciel, Gislaine Marins, Silviano Santiago, Carlos Emílio Correa Lima, Julio Cesar Monteiro Martins, Cecilia Giannetti, Sergio Sant’Anna.
Como será feita a distribuição do livro: será vendido em livrarias comerciais na Itália, ou prevê-se outro tipo de distribuição? A distribuição do livro está aos cuidados da PDE, uma das maiores companhias italianas de distribuição, que o colocará em todas as livrarias nacionais, das Feltrinelli, às Arion, às Mondadori, àquelas independentes. De toda forma, se a livraria não possui exemplares, o livro pode ser encomendado e a PDE fará a entrega ao livreiro em 24 horas. O livro é comercializado também através de IBS e pelo site da Azimut.
Com o livro pronto, como analisa o conjunto que selecionou? O que dizer da literatura brasileira contemporânea hoje, a partir desta janela que abre aos italianos? Quanto a mim, considero-me muito satisfeita com o trabalho realizado até aqui, as opiniões que recebo das pessoas que leram os contos é muito positivo e estou convencida de que esta antologia era necessária. Mas este não pode ser senão o primeiro passo do que deveria ser um percurso de maior abertura do mercado editorial italiano em relação a uma literatura com tantas facetas como a do Brasil. Azimut lançará em breve outras antologias que têm a ver com algumas cidades italianas, e depois passará a ocupar-se de Praga e de Moscou. Não exclui-se, portanto, a possibilidade de novos encontros com outros escritores do Brasil em uma segunda antologia que confirme, ou melhor, supere, o sucesso da primeira. Alguns meses atrás, em Florença, no âmbito do Festival internacional da criatividade, dedicado ao Brasil, participei de uma mesa redonda com alguns docentes universitários de literatura brasileira.
Das reflexões em comum evidenciou-se quanto a imagem que chega à Itália da literatura brasileira é ainda muito ligada a certos fenômenos literários que fizeram a fama dessa literatura no exterior, mas que também criaram uma série de lugares-comuns. Está na hora de olhar além e ampliar os nossos horizontes. Não é por acaso que a essência desta viagem narrativa que fizemos com Il Brasile per le strade (O Brasil pelas ruas), seja sintetizada por inteiro em um título que, enquanto define os confins geográficos, indica ao leitor itinerante por terras e culturas longíquas da própria o que no fundo é o lugar privilegiado para o encontro e o confronto com o outro: a rua.
Demorô!