Onde está a fonte do tempo e em que mar ele por fim deságua? Todo rio, como sabemos, tem necessariamente limites dos dois lados. Mas quais seriam, nessa perspectiva, os rios do tempo? Quais seriam as suas qualidades específicas que corresponderiam talvez àquelas da água, que é fluida, bastante pesada e translúcida? De que modo diferem as coisas imersas no tempo daquelas que jamais foram por ele tocadas? Por que razão as horas da luz e da escuridão são mostradas na mesma circunferência? Por que o tempo fica eternamente parado em um lugar e voa e se precipita em outro?
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Os mortos estão fora do tempo, os moribundos e todos os doentes nos leitos das suas casas ou dos hospitais, e não só eles, pois um tanto de infelicidade pessoal já basta para nos cortar de todo o passado e de todo o futuro. De fato, disse Austerlitz, eu nunca tive nenhum tipo de relógio, nem um relógio de pêndulo, nem um despertador, nem um relógio de bolso, muito menos um relógio de pulso. Um relógio sempre me pareceu algo ridículo, algo absolutamente mendaz, talvez porque sempre resisti ao poder do tempo em virtude de um impulso interno que eu mesmo nunca entendi, excluindo-me dos chamados acontecimentos atuais, na esperança, como penso hoje, disse Austerlitz, de que o tempo não passasse, não tivesse passado, de que eu pudesse me virar e correr atrás dele, de que lá tudo fosse como antes, ou melhor, de que todos os momentos do tempo existissem simultaneamente uns ao lado dos outros, ou seja, de que nada do que nos conta a história seja verdade, o acontecido ainda não aconteceu, mas só acontece no momento em que pensamos nele, o que por outro lado, é claro, abre a perspectiva desoladora de uma tristeza eterna e um sofrimento sem fim.
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Quando, por exemplo, nos meus caminhos pela cidade, olho para aqueles silenciosos pátios internos onde nada mudou durante séculos, sinto quase fisicamente como a corrente do tempo se retarda no campo gravitacional das coisas esquecidas. Todos os momentos da nossa vida me parecem então reunidos em um único espaço, como se os acontecimentos futuros já existissem e aguardassem apenas que chegássemos finalmente até eles, tal como nós, tendo aceitado um convite, chegamos a uma determinada casa a uma determinada hora. E não será possível imaginar, continuou Austerlitz, que também temos compromissos para cumprir no passado, no que já se foi e em grande parte está extinto, e lá temos de procurar lugares e pessoas que, quase além do tempo, guardam uma relação conosco?
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Do vertiginoso Austerlitz, de WG Sebald – onde “Funes, o memorioso” encontra Em busca do tempo perdido no cruzamento de Aharon Appelfeld com Valêncio Xavier.
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Zapeando na rede, achei um artigo curioso comparando Sebald a Zadie Smith e Obamis. Tudo bem que o Prez escreveu uns poemas bonitos – e provavelmente deve ser o primeiro presidente poeta desde Vaclav Havel -, mas acho que o zeitgeist tá meio que turvando os parâmetros da galere…