Poucas vezes li uma resenha tão preguiçosa quanto esta do Alcir Pécora, acerca do novo livro do Mutarelli, A arte de produzir efeito sem causa [Cia. das Letras]. Alcir, que é dos poucos acadêmicos que lêem de fato tudo o que se produz na literatura contemporânea [não o conheço, mas amigos próximos me confirmam], cometeu aqui nessa resenha da Folha um pecado que, segundo o mestre de todos Antonio Candido, o levaria por certo ao canto da classe, com um canudo espetado na cabeça, ajoelhado no milho. [Update: Ciça me lembra que ele cometeu, além da preguiça, o pecado da soberba.]
O pecado da preguiça que acometeu Pécora – e que, aliás, é doença infantil comum em 90% das resenhas que se publicam por aí – tem uma tag: a paráfrase. Se você vai escrever sobre qualquer coisa, para observá-la com objetividade é necessário descrevê-la na miúda, assim como se a contasse para um amigo: “Olha, o que estou vendo aqui é um ser verde, com olhos enormes e membros longos e finos, voz metalizada. Ele está me dizendo que vem de Marte”, e por aí vai.
Feita a paráfrase, que nada mais é que contar com suas próprias palavras o resumo de um livro, você procede à crítica propriamente dita. Dá trabalho, porque a paráfrase em si não quer dizer porra nenhuma. Você tem de escarafunchar lá no fundo do seu repertório todo tipo de associação que possa fazer em relação à obra. Indispensável seria conhecer outras obras do criticado [por exemplo, ler seus outros livros, e se for um pouco mais informado, ir atrás de seus comics], discuti-lo face à produção contemporânea, se possível investigar-lhe uma linhagem de que participe, sempre extraindo da própria obra uma lógica literária interna – para jogar o mais limpo possível, não perder nunca de vista o texto, o texto.
Assim, sempre a partir do livro, abordar elementos como tom, perspectiva da narrativa, parâmetros da linguagem, condução, ritmo, léxico, drama, visão de mundo, psicologia, humor, atmosfera etc etc. Feito um médico, catar cada recorrência expressiva e, entendendo-a como sintoma, descobrir as doenças do livro, proceder à biópsia – seu estilo, enfim. Isso se chama interpretar um texto. É a lição de casa, cazzo!
Nada disso fez o professor Pécora, para minha decepção [não dá pra não levar a sério um sujeito que organizou as obras de Hilda Hilst e de Roberto Piva, por exemplo]. O mestre da Unicamp preferiu a modorrenta orelhada escrita nas coxas numa rede ao cair da tarde, certamente pra mandar no dia seguinte, junto da nota fiscal de R$ 500 [o cachê de uma resenha de jornal], e pronto, tá pago o supermercado do mês. Leu o livro com má vontade e escreveu qualquer coisa como se o contasse pro neto de 8 anos – inclusive dando a extrema mancada de contar o livro inteiro, do começo ao fim.
Não é isso que se espera de um dos melhores professores de literatura do país. Os acadêmicos não vivem reclamando que os jornalistas ocuparam seu espaço na crítica? Porra, e quando têm a chance de publicar mandam uma merda dessas?
Claro que fiquei puto porque sou amigo do Muta. Mas não só: achei este seu melhor livro, o mais profundo, o que vai mais longe em seu flerte com a patologia – a narrativa é um verdadeiro manual de psiquiatria, e muito da originalidade de Mutarelli vem do modo como sugere a doença como único parâmetro possível para dar sentido ao universo. Não me lembro, por exemplo, quem tenha descrito na literatura brasileira um surto epiléptico com tanta intensidade, drama e, o que surpreende, senso e timing de comédia. Enfim, não vou resenhar o livro aqui – o que me irritou mesmo foi esse desleixo com o olhar crítico: quer falar mal, tranki, mas que fale com alguma inteligência. Dá só uma sacada:
Crítica/”A Arte de Produzir Efeito sem Causa”
Literatura de Mutarelli fica à altura de história trash
Autor descreve protagonista paranóico em livro que lembra gibi sem desenhos
ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Não vejo melhor modo de resenhar “A Arte de Produzir Efeito sem Causa”, de Lourenço Mutarelli, do que contar por alto o seu enredo. Numa primeira parte da narrativa, o pacato protagonista, que porta o nome de Júnior, abandona a casa, a mulher, o filho e o emprego na fábrica de embalagens de autopeças. Muda-se então para o apê do pai, velho de bom coração, que tem um caso com a vizinha e aluga o segundo quarto do imóvel para uma estudante de artes. Júnior se instala no sofá da sala e lá dorme, deprimido, boa parte do dia. Na outra parte, gostaria de olhar a estudante nua por um buraquinho que lá havia. Se isso pareceu bobo, esperem para saber o motivo da brusca mudança e depressão de Júnior: o pobre descobrira que sua mulher havia dormido com o amiguinho do filho. E também com o pai do amiguinho do filho, o qual, flagrando o ilícito, exigiu a parte que lhe era devida para não divulgá-lo. E há mais: sabem quem era o pai do amiguinho do filho? Ninguém menos que um amigo fiel de infância, que também calhava de ser seu patrão na fábrica. Neste ponto, se alguém deixasse de lado o livro, não seria eu a condená-lo por impaciência. Mas há ainda uma segunda parte, na qual Júnior dá sinais de uma progressiva paranóia. Ela se precipita com a chegada, via sedex, de pacotes sem nome de remetente. Entre outros objetos, trazem um recorte de jornal de época que noticiava o caso em que William Burroughs, cultuado autor da beat generation, havia matado a própria mulher com um tiro de pistola ao errar o copo sobre a sua cabeça. Nada muito criminoso: apenas brincava, bêbado, de Guilherme Tell. Em outro pacote, ganha o DVD do filme de David Cronenberg inspirado em “Naked Lunch”, do mesmo Burroughs, além de recortes nos quais defende a sua velha tese de que a linguagem é um vírus. Quanto a nós, atenção! Não devemos perder os signos de cultura underground disseminados na narrativa. Somados os pacotes à tentação da estudante (com quem divide um lanche, uma pizza e um baseado), mais os porres solitários de conhaque, Júnior dá de perceber estranhas conexões nos recortes. Passa daí a desenhar combinações com as suas letras, enquanto vai ficando afásico. Desconfiado dessas esquisitices, o pai resolve dar uma espiada nos papéis que o filho rabisca e descobre que ele preenche páginas com uma única frase. Embora nada se diga no livro, não é de duvidar que também tenham vindo vários outros DVDs, entre eles, “O Iluminado”, de Stanley Kubrick. O certo é que, preocupado, o bom pai o leva a um médico, que suspeita de neurocisticercose, isto é, tênia nos miolos. Para ajudá-lo a deixar a bebida e as alucinações, o pai resolve lhe dar um choque de realidade e o leva a visitar o irmão, preso por tráfico de drogas. Mas tráfico não é problema para o irmão, e sim a suspeita de que a mãe, metida com demônios, entregara a eles a sua cabeça. E não é que Júnior acha que a mãe, já morta, fez o mesmo com ele? Aliás, Júnior suspeita que o demônio possuiu o pai e a estudante, trocando-os por fantasmas que querem matá-lo. Conseguirá ele matá-los antes disso? O que dizer mais? Fechos alternativos: 1) Que a literatura de Mutarelli faz jus à história “trash” que conta? 2) Que o livro é um gibi sem desenho? 3) Que o título é correto? Sem dar causa a nada, ainda ganhou uma resenha como efeito.
ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Unicamp
A ARTE DE PRODUZIR EFEITO SEM CAUSA
Autor: Lourenço Mutarelli
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 39,50 (208 págs.)
Avaliação: ruim
Literatura de Mutarelli fica à altura de história trash
Autor descreve protagonista paranóico em livro que lembra gibi sem desenhos
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Só isso basta para perceber que o que leremos “a seguir” é uma tremenda porcaria. Bom, ainda não li o livro. Mas por ser um Mutarelli, imagino que venha coisa boa (o que pode, ou não, me levar a cometer um pecado, certamente menos pior que o do professor/resenhista). A última frase do “crítico” é de uma pretensão sem tamanho. Abraço!
Eu ODEIO crítico que resume a história na resenha. Só dar o mote já é mais que suficiente pra contextualizar a crítica. Agora, alguem que SÓ faz isso, pelo menos tem a ‘dignidade’ de avisar do spoiler no primeiro parágrafo. Ótimo, nem li o resto.
Hum, ficou mal pro Pécora mesmo. Coitado do Mutarelli, foi pra literatura fugindo da “arte menor” que era o quadrinho e vem um crítico desancando-o por causa do seu “passado em quatro cores”. (E se gibi = ruim, imagine o que ele não diria de Watchmen.)
Suponho que ser resenhista profissional deva dar preguiça mesmo, mas se for ser preguiçoso não escolha um livro do Mutarelli. Estou viciada nele. Esse ano já li dois livros dele, o Jesus Kid e o Cheiro do Ralo.
Aliás, te invejo a amizade… ser amigo do Mutarelli deve ser algo cheio de matizes.
Esse cara fez picaretagem. Esqueçam a bosta de resenha dele, esqueçam a minha espinafrada, e leiam o livro do Muta. Ele merece!
Fico feliz por você estar acordado e se manifestar Bressane!
Eu fiquei péssima com a crítica mas agora passou.
Muito obrigada pelo respeito!
um grande abraço
Lu
Quando vi que ele não ia parar de contar a história parei de ler a resenha. Que estraga-prazeres. Uma anta. Vou já comprar o livro. Beijos
Acho que a gente deveria inaugurar a Crítica às Críticas.
Vsle s pens coenttar que o livro do Almino citado na folha como ótimo, tem o prefácio do Pécora. Realmente, muito estranho!
Juliana Gomes
Infelizmente o Pécora tem optado menos por causar efeitos (eu sei, é infame) de reflexão acerca dos livros abordados e mais por provocar escândalo. É uma escolha boba, algo decepcionante prum sujeito de CV tão extenso. Desde quando, afinal, alguém se escandaliza com resenhas críticas? Bem, temos o exemplo da Lucimar aí em cima, mas ela não conta. E há o Bressane e todos nós aqui embaixo, mas também não contamos. Quem conta, afinal, neste mundo de faz-de-conta?
Troca de emails entre Ciça e eu:
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Te lembras disso, Bressa?
Eu tenho péssimas recordações de um seminário de que participou o Alcir Pécora em São Paulo no ano passado.
Texto: http://portalliteral.terra.com.br/Literal/calandra.nsf/0/E265F25D042BA190032572A400714D07?OpenDocument&pub=T&proj=Literal&sec=Especial
Trecho:
“Escrevam e morram”
“Estamos na eminência da extinção do leitor, porque hoje todo mundo escreve. É um desequilíbrio absurdo. Escrevam menos, leiam mais. Escrevam e morram,” decretou Pécora. Na platéia, alguns jovens autores talvez tenham desejado possuir ao menos um marca-passos, na falta de pontes de safena.
De acordo com a fala de Pécora, é uma questão de “Saúde vs. Doença”, de “Luz vs. Trevas”: “Se estivéssemos vivendo a Era das Trevas nas letras, eu tomaria partido das Trevas,” devolveu, ao ouvir a pergunta da platéia dirigida a ele, “vivemos a Era das Trevas nas Letras?”.
Sobre a possibilidade de encontrar textos novos de alguma qualidade literária na web, Alcir não tem dúvidas: “Eu acho a internet ótima para a pornografia, mas não sei se é boa para a literatura. Essas novas mídias geram um desastre, esse excesso de produção literária, esse excesso de saúde de gente que tenta se enfiar ali, entre os mortos, entre os que permanecem e com quem dialogamos.”
O escritor mato-grossense Joca Reiners Terron, autor de, entre outros, Sonho interrompido por guilhotina (ed. Casa da Palavra) e do blog Hotel Hell – destacado como erudito durante o debate pela pesquisadora, crítica e professora da Unirio Beatriz Resende, dentre os autores surgidos na década de 90 – reclama que há também um excesso de críticos. “Fui visitar meu pai em Santos. Na cozinha, puxei uma cadeira, abri uma cerveja… Aí vem um tio meu, se vira para minha mulher e diz: ‘Esse aí sempre desenhou muito bem. Mas como escritor…’,” comentou Joca, rindo. Se hoje todo mundo acha que pode escrever literatura, a mania de “dar uma de crítico” também é bastante popular.
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Caray, não tinha visto isso, Cissowski. É uma pena o cara ter esse
tipo de atuação. Até onde eu sei, ele acompanha de muito perto a
literatura contemporânea, dizem que compra tudo, lê tudo… ou seja,
também não adianta nada ler tudo, e dar esse tipo de contribuição
fajuta para a arte que ele deveria respeitar. No fundo, com essa coisa
de vivos X mortos, sabe o que eu acho? Que o cara tem é preguiça de
encontrar caminhos novos para a crítica, de achar uma maneira nova de
ler o que há de novo [até pra saber se é novo mesmo ou se é só
requentamento]. Mas não sei se concordo com a boutade do Joca: acho
que não há críticos à altura da oferta de leitura. E concordo num
ponto com o Pécora: existem cada vez menos leitores… mas isso também
não seria um problema da crítica, que não atiça o debate nem o
apetite?
beijo
RB
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2008/8/7 Cecilia Giannetti :
É, rolou ano passado. Eu saí bufando do debate. E os outros escritores tavam calminhos, orelha baixa. Não entendi. Até a Heloísa Buarque, que é mia patroa e tava lá, ficou fula. A Beatriz Resende deu-lhe um chega-pra-lá. Os próprios escritores não se manifestaram. “Ah, tudo bem, ele é um professor da USP”. Porra, como se víssemos alienígenas soltando veneno mortal pelas ruas todos os dias!
Esta parte do discurso dele é a definição de todo o pensamento do cara, e da “luta” dele contra os contemporâneos. É bem simples. E simplório:
“Esse excesso de produção literária, esse excesso de saúde de gente que tenta se enfiar ali, entre os mortos, entre os que permanecem e com quem dialogamos.”
Os novos, seu inevitável surgimento e as mudanças também inevitáveis que acompanham isso, incomodamos a Arte dos mortos. A vida dos mortos.
O Pécora sempre foi burro. Mesmo na área dele, Vieira, é considerado picareta por quem entende do assunto.
E ao contrário do que está dito num comentário aí em cima, nunca foi professor da USP, mas da UNICAMP.
Desculpem, mas adoro o Alcir Pécora. Essa crítica não foi das mais legais, mas adoro quando ele destroça alguém. Li isso aqui no Estadão faz um tempo e babei:
O último texto que leio é Mastigando Humanos (Nova Fronteira, 2006), de Santiago Nazarian. Trata-se de um romance de viés alegórico, a propósito de animais que vivem num esgoto recebendo todo tipo de lixo urbano e de descarga química industrial, ensaiando diferentes formas de organização social. Uma delas, a anarquia ociosa, é reclamada pelo jacaré protagonista do romance, em oposição à burocracia centralizadora, pretendida pela rataria. Se fosse mais contido estilisticamente, ou mais eficiente em termos alegóricos, poderia ter parentesco com O Arquipélago, de Diogo Mainardi. Mas fica aquém. O romance, pretensamente ‘psicodélico’, requenta personagens e situações do underground dos quadrinhos dos anos 60, que já teve manifestação mais interessante, no Brasil, com o Clara Crocodilo, de Arrigo Barnabé. O narrador concentra as ações derivativas do subterrâneo em seus aspectos escandalosos, tratados com humor negro, mas nem o escândalo é tanto, nem o humor realmente engraçado. Há algum nonsense, mas preguiçoso, sem a exploração de agudezas verbais e conceituais que se esperaria dele. Detém-se no comentário vizinho ao besteirol e à cultura pop. O mais curioso do livro é a orelha. Flagra uma pose do autor, deixando sair da boca alguma gosma. A julgar pelo registro juvenil do livro, não deve ser mais que iogurte de morango
acabei de ler o livro e saí em busca de uma resenha (já que não tinha feito isso antes de começar). achei essa uma droga. além de ele contar quase todos os detalhes, ainda conta tudo fora de ordem. que pena!
Recife, 13 de Abril de 2012.
“(…) para minha decepção [não dá pra não levar a sério um sujeito que organizou as obras de Hilda Hilst e de Roberto Piva, por exemplo].”
Só um ‘Freelance freestyle’ poderia fazer um comentário tão sem nexo a respeito de uma das maiores escritoras Brasileiras. Tu é hóspede do tempo, meu chapa!
Você é muito burro, Paco. Releia a minha frase. Ou então volte para o Mobral.
abraço
RB
Olá Ronaldo,
Estava pesquisando a frase “a arte de produzir efeito sem causa” no Google. Segundo o Mutarelli, a frase teria sido produzida por Harry Houdini, mas fui vasculhar se foi realmente o Houdini quem realmente produziu essa frase. Acabei encontrando, felizmente, seu blog.
Não sou próximo do Lourenço. Conheço ele e a Lucimar. Mas dizer que sou próximo dele é um exagero. Quando ele autografou a edição que tenho em casa do “A Arte…”, disse ele que esse é o seu melhor livro. No que eu concordo, também acho que “A Arte…” revela um Mutarelli de qualidade ímpar.
Um dia perguntei ao Mirisola qual era a do Pécora. Estou até hoje tentando entendê-lo. Acho melhor jogar a toalha. Destroçar obras literárias seria desserviço? Apostar na crise do discurso literário virou a profissão dele? Parto da premissa de que, se o mundo está em crise em vários setores e áreas, não seria tão espantoso assim lá pelas tantas descobrir que o discurso literário também bateu no teto. Se o discurso literário bateu no teto, que tal relaxar e ler, sem esse sebastianismo meio fora-de-hora dele em descobrir algum autor que nos redimirá.
Tenho um blog de literatura. Não é lá aquelas coisas, anda bem devagar porque para comentar algum livro, tenho de ler da primeira a última página. Seria tão difícil as empresas de comunicação entenderem que é meio impossível comentar um livro por semana? Que dá um trabalho danado e que o processo de resenha/comentário/crítica demanda a pesquisa de outras referências? Esse lance de crítica literária pegue-e-pague detona todo mundo, de críticos a escritores.
Pelo que li nos comentários, o lance de “mais escritores do que leitores” é típico de pessoas que, pelo jeito, não costumam sair de casa. Só pode ser. Dizer que há mais escritores do que leitores é perigosíssimo. Cada crítico tem sua preferência, normal. Mas dizer a uma pessoa que ela não pode escrever acho meio comportamento ‘chute no olho’, uma postura que me remete a comportamentos meio ‘reaças’. Enfim, quem sou eu… Mas ainda acredito que o discurso é livre. O prazer está na maneira como cada um conta a sua história.
Parabéns pelo blog! Fiquei fã! Um abraço!
Oi gente, bom dia.
Meu nome é Guilherme e eu faço doutorado em Teoria da Literatura. Meu objeto de estudo é, justamente, a obra do Lourenço Mutarelli e A arte de produzir efeito sem causa é parte do corpus da minha pesquisa. Li a matéria do Bressane e a resenha do Pécora só agora. Nem sabia disso. Achei hoje quando comecei a elencar a bibliografia produzida sobre o Mutarelli.
Tenho problemas com a qualificação do Pécora como melhor professor de literatura pelo Bressane, não sei se foi um elogio para diminuir a crítica a uma resenha medíocre ou por conhecer o professor. Em primeira instância, bom crítico e bom professor são coisas bem distintas. Talvez ele seja um bom professor, um bom organizador, etc. Para mim o melhor professor de literatura hoje é o venerável Prof. Dr. Antônio Manoel dos Santos Silva, que no auge da sua aposentadoria continua lecionando na pós-graduação compartilhando sua sabedoria e suas descobertas de novos autores (porque ele lê todos os contemporâneos).
No entanto, a resenha acima não corresponde a uma resenha de um bom crítico. Digo isso não pela negatividade atribuída a obra. E talvez, como o colega acima haja dito, isso tenha recorrência com a recente descoberta do Pécora de que “a literatura está em crise”. Nesse quesito, abro um parênteses para dizer que a literatura SEMPRE esteve em crise, visto que, sem crise, não há literatura, porque não há o que ser dito. Isso se comprova pela constante alternâncias de “escolas literárias” e estilos durante a história. E mesmo que a crise seja outra, mais específica, essa angústia da contemporaneidade já é discutida desde o fim do modernismo de 30.
Agora, voltando à resenha em si, ela não é ruim, como já disse, pela negatividade que beira ao vulgar. Ela é ruim porque ela não é uma crítica analítica como se espera de um crítico. Ela é a crítica da vizinha: “Ai, não gostei dessa história”. Não me entendam mal, a vizinha tem todo o direito de não gostar, contudo, um crítico literário, ainda mais um crítico renomado , não possui o direito de simplesmente “não gostar”. Ele tem de dizer o porque e especificar. Acredito, que nesse ponto, a crítica do Bressane seja extremamente lúcida sobre análise literária. Desde o formalismo russo já deixamos de nos focar apenas na subjetividade para vislumbrar a obra como um todo. Se Pécora houvesse produzido uma análise problematizando o efeito de ritmo e suspensão na obra, o trabalho de hibridismo que existe entre a obra e o cinema, a fusão de texto como imagem, etc. E dizendo que isso não se realizou plenamente, por isso e aquilo. Isso seria uma crítica. Estaria errada, obviamente, porque estes pontos se realizam perfeitamente na obra e criam uma ligação extremamente rica com a história.
Falando em história, Pécora poderia ter criticado os elementos de narração e apresentar motivos pelos quais o autor não seria um bom narrador, mas isso também não existe. Criticar uma obra apenas pela sua história é um problema complicado, visto que, pela mesma lógica Ulisses seria ruim? O conto O Ovo e a Galinha seria ruim? Há uma diminuição da importância da história em favor da narração em várias das obras mais importantes da literatura moderna e contemporânea e isso não foi criticado pelo Pécora, acredito.
E nesse ponto eu teria de discordar, visto que acredito ser o autor um ótimo narrador. Creio que além de narrador, Mutarelli é um artista no sentido pleno da palavra. Além disso, é interessante notar a evolução e experimentalismo crescente em sua obra. Para os interessados, recomendo a leitura da dissertação de Liber Paz (2008) sobre os quadrinhos de Mutarelli, na qual o professor realiza uma análise extremamente interessante sobre como há uma evolução do traço e da estética nas narrativas em conjunção com uma evolução crescente. Infelizmente não tive acesso à dissertação da Lucimar ainda, mas estou providenciando isso.
Além de tudo, existe uma questão importante ao final da resenha do Pécora que se evidencia: O preconceito de gênero literário. Ao comparar o livro com um gibi, o crítico não o faz com intenção de analisar uma homologia ou diálogo inter-estrutural, mas o faz com tom de deboche, estabelecendo a priori que narrativas sequenciais (gibis) são sub-literatura. Desculpem-me, mas isso é ridículo. É extremamente retrógrado e falacioso depreciar um gênero por si próprio. Na verdade, é extremamente falacioso depreciar obras que não leu como menores. Muita gente faz isso com Paulo Coelho (particularmente não gosto, li Brida e Diário de um mago e existem problemas de ordem sintática e semântica nos dois romances que enfraquecem a construção das metáforas que o autor tenta criar), isto é, criticam sem ter conhecimento do que falam. Não li as outras obras do Coelho, mas não julgo que sejam ruins previamente. Ele pode ter melhorado, afinal.
Fato é, parece-me que o Pécora leu um resumo do livro e não a obra para escrever a resenha e fazer isso para falar mal é, no mínimo, uma grosseria.
Fala Guilherme, beleza?
Obrigado pelo comentário.
Não sou eu quem considera o Pécora um dos ‘melhores professores de literatura’, e sim as publicações que lhe pedem resenhas, fascinados pelo seu CV, cujos aspectos respeitáveis, relevo, são as edições das obras de Hilda Hilst e Roberto Piva.
Fora essas edições, acho que ele não publicou nada que preste nos últimos anos. Basicamente repete seu chavão “a literatura está cada vez pior”, que costuma hipnotizar as carpideiras da academia, os baba-ovos de gringos e os preguiçosos que não sabem nada de literatura contemporânea, sem contar os críticos analfabetos funcionais, que mal sabem escrever.
Existe sim uma forte literatura brasileira contemporânea nesses anos de 90 a 10; porém, falta a sua contrapartida na crítica. O espaço dado a críticos sem imaginação e caráter destrutivo como Pécora enfraquece a percepção da literatura contemporânea pelos leitores, além da própria formação desse público.
Abraço,
RB
Ronaldo, bom dia!
Desculpe a má leitura =D. Você colocou o problema de uma forma clara. Mas creio que a oposição à literatura contemporânea tenha até mais resistência na mídia do que na própria academia. Apesar de termos muitos seguidores de Bloom até hoje, todos fortemente atarracados na leitura de Proust e Cervantes apenas e estabelecendo que após eles não há literatura digna de leitura, acho que vários dos críticos da minha geração partiram para uma pesquisa mais contemporânea. Eu e o Guilherme Silveira (grande artista por sinal), estamos pesquisando a obra do Mutarelli (Daniel Levy Candeias fez uma boa dissertação do ponto de vista da semiótica sobre os romances). Tenho colegas amigos e namorada que estudam o trabalho do Ronaldo Correia de Brito, Antonio Torres, Ricardo Guilherme Dicke, etc.
Nossa literatura hoje é forte sim e olhar apenas para o passado com um saudosismo utópico demonstra uma incapacidade de perceber como as estéticas, as técnicas e os temas são trabalhados hoje.
Há, inclusive, um espaço na academia de Letras que se abre na direção dos comics. Sinto bem menos hoje o preconceito de sub-literatura, apesar de ser evidente que críticos como Pécora ainda possuem isso arraigado na alma.
De qualquer forma, gostaria de te agradecer pela postagem e pela resposta que deu ao professor em tempo. Ela me possibilitou ler a própria crítica hoje, pois possivelmente sem sua postagem eu passaria batido, sem conhecê-la.
Por que será que um crítico como o Pécora está resenhando livros de uma forma singular e aparentemente trivial, ou seja, nos apresentando o enredo da obra? À princípio achei estranho e cansativo, mas me parece uma estratégia sutil de sublinhar o fato de que a maioria dos romances estão nos mostrando narrativas apenas, sem problematizar a literatura, sem estabelecer o jogo. A maioria dos autores de literatura entraram na banalidade de “eu tenho uma história para contar”. E nesse sentido estamos poluídos de narrativas. A literatura poderia ser um espaço para lançar um pensamento sobre a literatura contemporânea que ainda se pauta sobre a representação como um forma mimética de dar um sentido ao humano, ou seja, a produção literária ainda está construída sobre a ideia de que basta reproduzir uma concepção do humano e seu status que automaticamente devolve ao homem um acesso ao mundo narrando temas e etc. A literatura que não se colocar no jogo e subverter a prosa do cotidiano, como máquina de produzir ruídos, gagueiras… serve pra quê? Então, no meu pequeno canto rudimentar de leitor, acho que o Pécora está ironicamente nos antecipando o que iremos encontrar em alguns romances , narrativas… Não podemos nos esquecer que a novela das 21h ou o Jornal Nacional está hábil em fazer as narrativas… A literatura contemporânea está captura nessas mídias, e inclusive sendo menos interessante inclusive…
Discordo totalmente. Em primeiro lugar porque nenhum romance precisa problematizar a literatura para ser bom. Não há nada de errado em ser uma boa história e nenhuma exigência de se experimentar a forma loucamente, como obrigação. Requerer isso da literatura é, além de ser pedante, desconhecer a relação entre literatura e leitor. Grande parte dos grandes romancistas desenvolveu um trabalho temático muito maior do que estrutural e nem por isso a obra deles é “menor” ou menos importante. A experiência formal, quando desligada do tema e do contexto, perde seu propósito e beira à inutilidade parnasiana.
Em outra instância, dizer que a obra de Mutarelli não problematiza a literatura ou que não realiza experimentos de transcendência do gênero e da forma, que ela se prende simplesmente à história, é um atestado de que não leu a obra ou de que leu muito mal.
Meu caro, não estou situando esse ou aquele autor. Nem sentindo o calo que não é meu. Concordo que os grandes autores desenvolveram um trabalho temático e tal… Mas estamos falando de que momento e de que relação com o mundo? É possível ainda o romanesco, como o próprio Pécora coloca? Ou seja, uma narrativa que tente se colocar frente a um mundo possível de representar? Podemos falar em representação hoje? Grandes autores, grandes narrativas há… Lawerence, Dostoiesvki e etc… E quem chega perto dessa literatura? Esse autores me dizem algo e sempre dirão. De repente eu seja mal leitor, como muitos. Não precisa ser bom leitor hoje, há excesso de narração, de realidade, do já narrado, já está dito e capturado pelo especialista. Quem abre a fenda no meio disso tudo? A ferida está na mão do especialista, do médico. E a literatura consegue fazer sua ferida e escapar do discurso especializado? Sabemos facilmente acessar a literatura, ela está num lugar qualquer, na banalidade. Se tornou mais interessante o entorno da literatura (e das artes) do que o texto, a língua e etc. Se a literatura não for um discurso que atravesse a nossa banalidade como ser, então não sei para que ler… Se ela me contar e experimentar o que já sei, o que o mundo do já narrado, do televisado, do tempo real e experimentado me relata em suas diferenças mídias, então é melhor mesmo ficar nos Grandes autores… É mais do que classificar como bom ou não… Mas me mostrando alguma força ou (não esforço) algum pensamento já estaria bom,já fecharia um livro com satisfação… Não estou querendo ler algo que seja estrutural e tal… E por favor, meu caro, parnasiano… menos… Mas que seja fábrica, constituinte de uma língua autônoma, que experimente a língua na sua complexidade, que tenha culhão para dirigir o leme da linguagem, mas pra isso é preciso saber em que língua se escreve, é preciso estranhar a língua (não falo em escrever difícil); a língua não pode ficar acomodada enquanto palavra… Ela não serve apenas para dizer “Era uma vez…” E quem soube fazer isso, sabia muito bem o que estava fazendo, ou seja, os Grandes autores que os vivos não podem esquecer, ainda estão no jogo. Não há autor morto, há literatura morta. Como escrever tento ao lado um Pessoa, um Dostoievski? É difícil… Se a literatura não for pra fazer uma violência com a língua, com o pensamento… ela não serve para nada… Acho que o caldo é mais em baixo… Enfim, é uma impressão… Mas é engraçado que está mais interessante ler alguns críticos, filósofos do que os escritores de literatura… Acho que é um problema de formação mesmo… Jogar esse jogo não é fácil… Só em pensar que se publico algo estou “degladiando” com os Grandes já um pavor. É melhor ser leitor se não há nada a acrescentar… Há exceções, é lógico… Uns dois ou três… Bom saber que estás se debruçando sobre o Mutareli, é preciso críticas sobre os contemporâneos. Mas estou achando bem interessante a chamada de atenção que o Pécora está fazendo para a Literatura Contemporânea, é de ser prestar bem a atenção. Há muito folhetim romanesco na área entretendo leitores. É isso, adelante!
Cara, que angústia da influência é essa? Que texto mais a lá Bloom… primeiro problema na sua argumentação é pressupor que sou parnasiano porque sei relacionar trabalho temático e trabalho estrutural, coisa que, infelizmente, o Pécora não fez em sua resenha. Esse trabalho da linguagem que você sente falta é, simplesmente, estrutura textual, basicamente função poética. O outro grande problema é desconsiderar que somente os autores canônicos são grandes autores e o resto é o resto. Que o texto não apenas do Muta, mas do Dicke, do Torres, do Brito, do Lins, do Scliar, não apresentam essa posição clássica (usando o conceito do Marx) de fazer sentido para qualquer época. O que é falacioso, até porque, isso só será comprovado daqui a 4 séculos e nenhum de nós estará aqui pra ver. Dizer que esses autores não nos trazem uma grande reflexão sobre a vida é uma afirmação bem complicada. É um saudosismo ilusório de que só houve “grande” literatura no passado. Há e sempre houve muitos folhetins entretendo leitores, entre eles houve Machado de Assis, por exemplo, William Scott, Mellville e por aí vai, todos eles entreteram leitores, todos eles foram em grande parte, comerciais. E entramos num índice do seu discurso que aponta para um preconceito contra a indústria cultural. A sua posição é muito mais parnasiana do que a minha, visto que quem elege uma posição na torre de marfim para uma ilusória “alta literatura” é você camarada. Pessoalmente acredito que todo texto deve ser esmiuçado individualmente e analisado por si, para depois ser analisado com seu contexto, hipertexto, etc. Essa angústia de que não apenas a literatura, mas as artes estão morrendo, definhando, enfraquecendo e que são irrisórias frente ao passado, desculpe-me a terminologia, mas é tolice.
Isso não tem nada a ver com o que eu estava colocando, tentando pensar, ou lançar, atravessar. Mas, buenas, não vou entrar em um discurso professoral de apontar afirmações e desafirmá-las, não estou defendendo um lugar, mas dizendo do meu lugar. Não sou tacanha de apenas valorar uma obra, dizendo “é bom ou não”. Mas posso observá-la e valorar, mesmo sabendo que uma crítica literária leva em consideração uma série de coisas, mesmo que sejam importantes para dizer que a obra não funciona, mas esse não funcionamento (valoração) pode dizer coisas relevante do seu tempo. Nesse sentido toda obra tem que ser levada a sério. Até Paulo Coelho. Compreende??
Voltando ao ponto que acho importante. Uma coisa me intriga, e foi o que me levou a escrever nesse blog. A estratégia do Pécora. Uma coisa esta mais do que difícil de aceitar (impossível na verdade). É que o Pécora tenha unicamente (gratuitamente e desinteressadamente) resumido o livro do Mutareli. Ponto. E que não há uma estratégia “criativa” em mostrar (resumindo) que o livro não apresenta nada além de uma narrativa romanesca. O que estava “alertando” é para o fato da maioria dos comentários serem em repudia para o modo da resenha. E veja bem, meu caro, o que quero dizer. É estranho ninguém ter desconfiado da estratégia do Pécora. Podem achar uma má crítica, tudo bem. Agora dizer que o Pécora estava só resumindo porque foi o que ele conseguiu fazer porcamente (minhas palavras), é brabo. Não precisa aceitar o veredito da crítica. Mas não estranhar a crítica… é estranho. Veja bem, está bem claro que ele realizou uma estratégia em resumir alguns obras nas resenhas da Cult para mostrar o quanto elas estão no romanesco, na representação. É isso, entende? Antes de discordar veja se compreende o que eu falo nesse ponto. Não é em uma resenha, são em várias. É uma estratégia de resenha que tem a ver com a fala do Pécora. Não uma resenha relaxada porque está fora dos moldes acadêmicos. E nisso concordo, não tem nada a ver com resenha e de certo modo é chato mesmo. Mas a coisa é outra, ou seja, a estratégia (irônica) de um crítico em mostrar (enquanto valoração) no pequeno espaço de um periódico a irrelevância da atual literatura. Então, reforçando, o Paulo Coelho é importante, a boa porcaria da literatura do Paulo Coelho é importante e deve ser analisada. Antes do juízo ela diz muita coisa sobre o mundo por trazer uma espécie de ânsias na esperança do individualismo e tal, sei lá o quê. Trouxe esse exemplo esdrúxulo para “separar” a crítica da valoração. Então, sim Marx estava certo, todo o autor fala e é relevante para seu tempo. Mas isso não dirá a sua qualidade literária. Enfim, esse é o ponto. Se não houver ponto comum aí então melhorar deixarmos assim a conversa. A vida é mais divertida e a literatura não precisa da gente e nem eu preciso dela.