Sonhe com os anjos



Na Trip ora nas bancas: o visionário jornalista Roger Omar reuniu em um livro virtual 140 sonhos de crianças de todo o mundo ilustrados por craques como o francês David B e o gaúcho Allan Sieber. O mais surrealista é que uma idéia brilhante dessas ainda não tem editora

“Elmonstruodecoloresnotieneboca”, no dizer de seu criador, Roger Omar, é uma “bicicleta” pedalada em colaboração entre crianças (que escrevem seus sonhos) e artistas de qualquer disciplina (que os interpretam livremente). O projeto foi criado pelo mexicano Omar, que desde 2002 viaja, todo inverno, para convidar grupos de crianças e registrar seus sonhos em um diário. Participaram brasileiros, mexicanos, franceses, cubanos, japoneses – e espanhóis, por supuesto. Omar, 33, nasceu em Mazatlán, estudou jornalismo em Monterrey e hoje vive em Menorca, “a mais bonita das ilhas Baleares”, onde trabalha numa fábrica têxtil fazendo estampados e misturando cores.

Já juntou 140 sonhos escritos por niños entre 8 e 10 anos, ilustrados por craques como David B (Epiléptico) e Allan Sieber (Preto no branco). “Elmonstruodecoloresnotieneboca” vem de um sonho escrito em 2004 por Melanie, menina espanhola filha de artistas de circo, cujo sonho era somente isso: “O monstro de cores não tem boca”. Incrivelmente inédito, Omar deixa ao editores mais despertos seu e-mail.

Como surgiu essa idéia? Quando era pequeno, vi morrer afogado um cavalo marinho. Meu irmão e eu o havíamos metido num cubo com água, e ele morreu depois de uns 3 dias. A consciência me doeu, porque senti que era como se eu o tivesse matado. Doze anos depois, na casa de uma amiga, vi cair morto em um mapa-múndi um hamster bege. Dessa vez, devia fazer algo pra me libertar da nostalgia: aí tive a idéia de colecionar sonhos escritos por crianças de todo o mundo.

Qual o sonho mais bizarro? Dos 140 sonhos ilustrados, quatro são absolutamente loucos. O do sapo (ilustrado por Thierry Guitard) trata de uma criança que fica cega durante 6 anos por culpa de um sapo. No fim, o sapo acaba vivendo na casa da menina, e ela acaba o considerando “um bom sapo”… É como se a menina tivesse aprendido a conviver com alguém que lhe fez mal, ou como se a personalidade do sapo fosse tão excepcional que o tema da cegueira fosse um mal menor. Outro sonho disparatado é o da geladeira (ilustrado por Remka): um menino dorme duas semanas dentro de uma geladeira esperando que o calor acabe e que o ceu recupere seu azul original. Lembro que eu mesmo, quando pequeno, me meti num refrigerador esperando que minha mãe viesse me resgatar… Me assombra que as crianças anotem detalhes tão preciosos como o período de tempo (6 anos, 2 semanas) em que transcorre a história de seu sonho. Não sei como fazem para medir o tempo dentro do sonho, mas em contraste com a simplicidade da escrita, esses detalhes me parecem desconcertantes. O mesmo acontece quando detalham medidas (a altura em metros de um gigante) ou quantidades (o número exato de pássaros que há no paraíso). É importante deixar claro que os sonhos da coleção são autênticos: não são inventados nem apareceram em algum curso de escrita criativa.

Como conheceu os artistas? Ilustradores como David B e Renée French e Max (O prolongado sonho do Sr. T) têm uma obra que fala de seus sonhos, obras fundamentais da arte contemporânea. Quando gosto do trabalho de um artista ou sinto que tem uma textura similar aos sonhos, mando um telegrama convidando-o a jantar.

E os brasileiros? Minha mãe tem uma enorme biblioteca de livros de arte e HQ, onde os brasileiros ocupam un lugar destacado. Allan Sieber me convidou para uma cerveja no Rio e Guazzelli sugeriu uma batida em São Paulo. Brasil é o país que melhor acolheu este projeto.

E você, sonha muito? Todo dia. Tenho um diário de sonhos desde 1997. Hoje, 14 de maio de 2008, sonhei que minha irmã (que nos meus sonhos simboliza a mulher) me jogou spaghetti na cara. E que um burro sobrevive submerso em un lago onde prospera una sociedade corrupta de sereias…

Já teve algum sonho lúcido? Sim! Um sonho lúcido tem o mesmo mecanismo que sonhar desperto: você projetas uma coisa, mas está em um estado mental tão peculiar que as coisas que imagina se tornam “reales” no sonho e você consegue vê-las, tocá-las… Lembro que durante um sonho lúcido atravessei a parede para entrar na casa donde dormia minha namorada, que estaba brava porque nessa noite eu tinha bebido vinho demais…

Você deve gostar do surrealismo, então… Lógico. Entre meus surrealistas favoritos estão Andi Behrman (Electroboy), Zdzislaw Beksinski, William S. Burroughs, Felisberto Hernández (El cocodrilo), San Juan (o Apocalipse), Leonora Carrington, Ramón Gómez de la Serna, Clarice Lispector… À diferença do que todo mundo diz, o México não é um país surrealista, mas a Espanha sim: é só ligar a TV.

Tem algum sonho pessoal, concreto? Sim: quero viver em frente ao mar e trocar minha bicicleta por um cavalo.

Autor: rbressane

Writer, journalist, editor

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