Lendas de Jorge Cardoso

> Jorge Cardoso, o homem, o mito, está traduzindo do sueco fábulas escandinavas. Seu chão, nosso teto será o nome do volume, baseado em contos populares escandinavos tirados do livro Kvinan som var gift med en varulv och andra folksänger (A noiva do Lobisomen e outros folclores), de Bengt af Klintberg. Aí segue uma – mais pra Mal pela raiz que pra contos do Papai Noel.

Lhe A Mim

I

A praga havia se instalado. Não poupava berços, nem saias de mulher nem os homens depois do trabalho. Como os ratos de uma cidade antiga, acordávamos magros, escutando o único som da morte em nossos ouvidos, um único, uníssono, ralhar de queijos roídos. O tempo era um cigarro guardado. Depois dormíamos sem tirar os sapatos. Sem dinheiro. O pastor comprava muitas meias, o príncipe, uma vez saudável, as cuecas no supermercado. Eu não tinha sapatos para o inverno. No inverno em que a morte dançava, eu vi aquela praga chegar, uns dez anos atrás. No meio da confusão e desespero alguns ainda provavam.

Então em uma noite na casa de uma mulher ela me diz: ”Eu gosto de você porque você sabe ler”. Me enchi de raiva, porque disse: “Prostituta!, então você gosta”. Pisei os blocos de gelos, com muitas meias emendadas no tornozelo. Umas giletes. Se toda aquela neve fosse cocaína, os cachorros, as crianças e os gatos estariam muito mais como nós e alguns bichos. Espumando, uma conchinha nos ouvidos, e o mar? Não.

II

Corpos se amontoavam pela calçada, que coisa horrível, não tinham nem mesmo a estrela costurada. Quem virá com alguma flauta ou fraldas? Passando o meu tempo sem nada melhor. Notei que a praga não atingia nem os cegos nem os pernas secas. O resto morria. Então no caminho para a floresta. Cinza, verde bizarro e cor de ferro. Encontrei duas crianças brigando. Sem forças e já notando a febre que no meu corpo fazia um ninho, eu as repreendi: ”Parem!”. Uma delas, com o rosto coberto de pele e carne e boca e nariz, corre. Eu vou atrás. Ela entrou na floresta. Perigoso. Muitos corpos. Encontro elazinha de joelhos. Que assoviando me diz: ”Belém e Jerusalém”.

> Breve posto mais algumas.

Autor: rbressane

Writer, journalist, editor

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