por Ronaldo Bressane
e Joca Reiners Terron*
Os anos 1960 parecem ter sido uma espécie de guerra. Há sobreviventes, há perdedores, há vencedores. Do lado dos vencedores, elegeria os tropicalistas – basta pensar no ministro Gilberto Gil e na onipresente voz de Caetano Veloso. Mas há também os que simplesmente caíram fora do front. Entre eles, o guru maior da tropicália: o escritor, dramaturgo e cineasta José Agrippino de Paula – nome mais citado por Caetano em seu livro Verdade Tropical. Apesar do impacto que seus romances Lugar Público (1965) e PanAmérica (1967), sua peça Rito do Amor Selvagem e seu filme Hitler III Mundo tiveram sobre a cultura dos anos 1960 e tudo o que veio depois, além do óbvio peso sobre toda a literatura que se faz hoje, Agrippino é uma espécie de Syd Barret brasileiro.
Syd, vocês sabem, foi o fundador do Pink Floyd – o gênio expulso da banda por seu envolvimento com o LSD ter induzido uma irrecuperável esquizofrenia. Agrippino não foi exatamente expulso: meio que desencanou. Teve uma vivência errática nos anos 1970, quando viajou por Europa, África e Estados Unidos ao lado de sua mulher, a bela bailarina Maria Esther Stockler, morta ano passado. Foi ficando cada vez mais eremita, até que em 1980 recebeu um diagnóstico de esquizofrenia. E sumiu. Em 2002, resolvemos ir atrás do gênio.
Sabíamos que morava em um sítio no Embu. Que não dava entrevistas, evitava falar com estranhos. Mas falar com Agrippino era necessário: ele teria mesmo abandonado a arte, como Raduan Nassar, JD Salinger e Rimbaud? Ou teria sido abandonado por ela? Pegamos um velho Alfa Romeo e partimos pela serpentária estrada de Itapecerica. No toca-fitas, blues antigos. Garoava. O endereço: avenida Elias Yazbek, 1640. Depois de uma hora de curvas, caminhões assassinos e carros tão velhos quanto os cubanos, chegamos. Seria ali? Um casarão enorme, um enorme muro cinzento, um avermelhado portão de ferro descascando, janelas quebradas, por onde se via luzes acesas. A campainha toca e toca e toca e ninguém vem. Nada é possível ouvir vindo do interior do casarão, e tampouco surge alguém para abrir a porta. Saímos então por onde entramos. Tomamos uma no boteco em frente. “Agrippino? Tem um véio meio doido que mora aí, ele usa umas fraldas, deve ser ele. Antes ele saía, agora não sai mais”, manchetava o dono da banca de revistas.
Para nossa sorte, chega um homem extremamente parecido com Agrippino. Nos apresentamos: é Guilherme de Paula, seu irmão. Ele vem toda semana trazer uma muda de roupas. Dizemos que viemos fazer uma entrevista, ele entra, demora-se um tempo, volta. “Ele vai falar com vocês”, convida. E entramos.
Trecho de “Desconectados”, matéria publicada na Trip deste mês… não percam também a entrevista que Cassiano Elek Machado e Emílio Fraia fizeram com o poeta Roberto Piva, além do perfil do mutante Cláudio Baptista escrito por BTN.
saudade do teu texto. Manda a revista aqui para casa preu ler
Adorei essa matéria. Gostaria de mandar uma crônica minha em homenagem ao Agrippino chamada Elegia PanAmérica para vcs.
Abraços do Lúcio Jr.