
“Qual é o prompt?“,
disse Gertrude Stein, pouco antes de morrer. É verdade. Em 27 de julho de 1946, no hospital, Stein dirigiu-se à companheira, Alice B. Toklas:
“Qual é a resposta?” Como nenhuma resposta veio, Stein insistiu:
“Nesse caso, qual é a pergunta?” Danada ela. Já estava vendo o futuro.
Meu novo curso de escrita criativa teve o nome escolhido pela inteligência da internet: meus seguidores no Instagram. Eles preferiram este nome a Inteligência Radical, Inteligência Ficcional e Inteligência Natural (nomes, aliás, criados pelo DeepSeek a partir de meu prompt).
Nem apocalíptica nem integrada, nesta nova oficina de escrita quero trabalhar a Arte do Prompt. Afinal, há anos que minhas oficinas são estruturadas em prompts que escolho de autores do mundo todo. Como Gertrude Stein já previa, são as perguntas que movem o futuro.
Pois bem: na Inteligência Acidental, vamos trabalhar justamente prompts de ficções curtas, e praticar escrevê-las a partir dos nossos prompts. Pesquisar, investigar a carpintaria por trás de uma concepção criativa de literatura.
Lembre do jagunço que se apaixona por outro jagunço que faz um pacto com o Diabo para ganhar coragem. Lembre do playboy que relata sua vida direto do túmulo. Lembre da mulher angustiada que, ao descobrir no quarto da empregada uma barata, que come viva, entra em êxtase. Lembre do modesto funcionário que num belo dia acorda metamorfoseado em barata.
Carpintaria, sim: uma das salvações possíveis ante o avanço das IAs é a valorização do artesanal, do manual. Mas por que não incorporar novas ferramentas? Imagine se Machado de Assis usasse o Google, se Guimarães Rosa teclasse num Word, se Clarice Lispector fuçasse o Claude.
Vamos investigar os acidentes, os erros dando origem a novidades; os autores que fugiram à norma e “encontraram no fundo do Desconhecido o que há de novo”, como disse Baudelaire.
Um soneto não passa de um algoritmo; a concepção de um enredo não passa de um prompt. Vamos praticar a arte do inesperado: provocar o inesperado, mas, até que o esperado surja, esperá-lo, postergá-lo, distrair o leitor.
Exercitar as artes de usar as IAs para criar junto. Ler poemas feitos com Google. Discutir limites da tecnologia na arte. Tratar do acaso na ciência, como a maçã de Newton. Abordar a percepção da intuição e da sorte: praticar a leitura do acidente feliz.
It’s a bingo! Erros dão cara para uma narrativa. A sujeira germina padrões, que se reproduzem em estilo, em identidade, em uma autoria indefectível, inconfundível.
Suja de tinta, de suor, de lama, bela e imponderável, a impressão digital valiosa precisa sair do digital e voltar ao manual. Encontrar sua voz única, seus temas únicos, sua perspectiva de mundo exclusiva, passa por fugir do quadradinho e usar a sua irritação como atrito criativo, para criar histórias originais. É questão de sobrevivência.
Uma IA tem acesso a tudo o que já foi produzido. Uma IA tem acesso às respostas do passado, como percebeu Gertrude Stein. Mas o que ainda não foi produzido ainda está somente na sua cabeça. Uma IA olha o passado criativo da humanidade. Só você pode espiar a originalidade que está no futuro.
“Inteligências artificiais generativas tais como Midjourney, Runway e Sora, reorganizam grandes volumes de dados visuais preexistentes. São fábricas de imagens baseadas em estatística capazes de produzir novos arranjos em uma dinâmica que faz da repetição a sua assinatura”, escreveu a artista e pesquisadora Giselle Beiguelman, em recente artigo na Folha de S.Paulo. O que ela diz sobre a criação de imagens por IA também vale para a criação de ficções.
“A imagem, nos dias de hoje, é tão criada quanto processada —produto de dados, padrões e inferências automatizadas. Os nossos rostos são vetores para câmeras de reconhecimento facial, nossos selfies se tornam metadados, nossas expressões entram em datasets que serão usados para treinar máquinas. Enquanto nós produzimos imagens, e também somos produzidos por elas, na Factory, desde a década de 1960, Andy Warhol descentralizava a autoria, rodeado por assistentes, câmeras, cópias e serigrafias.
Essa maneira de fazer arte ecoa hoje os processos de criação com inteligência artificial, em que o toque cede lugar a um formato de autoria que se distribui entre o humano e o não humano, entre a intenção do autor e o algoritmo.”
Inteligência Acidental vai ser por Meet, toda segunda, das 20h às 23h, a partir de 19 de maio, encerrando em 23 de junho. Em cada encontro vou ler textos de diferentes autores, e a partir deles vou dar algumas propostas para os tripulantes escreverem em casa, e também vou estimular a turma a criar propostas; a cada encontro, leremos e comentaremos os textos de todos.
O curso custa $699. Se você é graduando, pós-graduando ou professor, rola bolsa. E se for o caso, posso facilitar em duas vezes no pix.
Interessou? Me escreva em ronaldobressane@gmail.com.
Ementa:
1 Aula inaugural. Ricardo Piglia, Ernest Hemingway, Enrique Vila-Matas. Italo Calvino e as IAs. Visibilidade. Linguagem. Poesia. Cena. Angélica Freitas, Raymond Carver, Marcelo Montenegro. OuLiPo.
2. Velocidade. O trabalho do tempo. Conto-carta. A narração em segunda pessoa. Kafka, Julio Cortázar, Dalton Trevisan, Paulo Leminski. Leitura e comentário dos textos produzidos a partir da proposta 1.
3. Leveza. Autoficção. Ensaio. Crônica. Antonio Prata, José Falero, Rubem Braga. Leitura e comentário dos textos produzidos a partir da proposta 2.
4. Exatidão. A concisão. O perfil. Microconto. Lydia Davis. Anne Carson, Rubem Fonseca, Kafka. Leitura e comentário dos textos produzidos a partir da proposta 3.
5. Multiplicidade. Conto sob diferentes perspectivas. Akutagawa. Jorge Luis Borges, Roberto Bolaño. Leitura e comentário dos textos produzidos a partir da proposta 4.
6. Leitura e comentário dos textos produzidos a partir da proposta 5 e dos textos que não puderam ser lidos antes. Debate e considerações finais.